A POSTA NA CRUELDADE DE FAZER ESPERAR PELO ALÍVIO DE UM FIM
O meu cão, cuja idade desconheço para lá dos cerca de 14 anos decorridos sobre a data em que o recolhi da rua, está a definhar e adivinho-lhe a morte a qualquer instante.
É muito deprimente olhar para o meu cão. Atacado por um flagelo recente nestas paragens, a leishmaniose, come-se vivo pelo efeito terrível que a doença lhe provocou na pele agora quase despida de pelugem. E agora, pela rapidez com que perde peso, deverá ter evoluído para o interior do animal acelerando a um ponto insustentável a sua degradação.
E porque vos incomodo com esta descrição sumária do espectáculo que me aguarda em casa todos os dias?
É simples. Porque sinto necessidade de partilhar o desconforto que me causa o espectáculo supra e, mais ainda, porque pior do que a dificuldade na locomoção e perda progressiva da visão e da audição, para além de outros detalhes que me inibo de vos descrever, pela crescente apatia presumo que o meu cão já desistiu.
Agora compete-me tomar por ele a mais difícil decisão com que me confrontou desde o momento em que tive que optar entre virar a cara e condená-lo à morte ou trazê-lo para casa e depois logo se veria.
Viu-se aquilo que seria de esperar num cão. Tudo de bom tirando umas macacoas e maluqueiras que vos contarei um destes dias. Um canídeo faz mais parte de um agregado familiar, está mais próximo de nós do que algumas pessoas da família do respectivo dono. Quem tem sabe bem do que estou a falar.
E agora chega a hora de ganhar coragem para colocar a questão a um veterinário, conhecendo de antemão a resposta que o estado deplorável do meu cão já grita.
O meu cão não está vivo, arrasta-se pelo final da existência sem emitir um som.
Tenho que equacionar a eutanásia como uma das soluções, pois não existe uma cura ou mesmo um lenitivo para aquilo que o corrói e a minha filha assiste quase todos os dias à agonia do cão que a acompanhou desde que nasceu. É doloroso perceber a impressão que isto lhe deixa.
Eu gosto muito do meu cão mas percebo que o seu silêncio não passa de um esforço que me espanta para reprimir o som da dor que o atormenta. Perante um ser humano em idênticas condições (a comparação não é tão inadmissível como alguns achem) julgo que dificilmente hesitaria, se me competisse tomar tal decisão.
E pela primeira vez, em mais de 14 anos, o meu cão deixou de ladrar.