29
Nov05
A POSTA NO DEVIDO LUGAR
shark
É possível afastar de nós as pessoas por estimá-las (ou amá-las) demais. Soa paradoxal, mas não é. O excesso de dedicação confunde-se num instante com um impulso para a obsessão e tendemos a "abafar" o outro, guiados pelo medo da perda (instinto de posse), o inevitável egoísmo (chamemos-lhe ciúme) mais a onda paternalista tradicional. O outro sente-se manietado, sufocado e tratado como um imbecil sem vontade própria.
Eu sou uma dessas pessoas que insistem em forçar a barra dos que o rodeiam com uma estranha manifestação de excesso de zelo. E isto também se reflecte num elevar da fasquia que torna insuportável o nível de exigência que imponho a quem está próximo. Vale-me apenas o esforço de compensação que a minha entrega traduz, na amizade como no amor, embora nem sempre se revele um trunfo capaz enquanto moeda de troca.
Há quem lhe chame "personalidade forte", mas eu não lhe reconheço essa força nas fraquezas que suscita. Nos resultados finais. Porque afasto os outros como me afasto de mim. Forte é uma personalidade equilibrada, com espaço de manobra, flexível. Que sustente uma atitude em conformidade com o que os outros precisam em dado instante, disponível e generosa, sem pressões ou exigências estapafúrdias. À medida das necessidades que todos precisamos suprir.
Essa é a pessoa que eu gostava de ser, à altura. E isto não implica que me considere menos digno seja do que for em relação aos que me rodeiam, é o reconhecimento de uma debilidade na minha estrutura. Uma fraqueza que gostaria de eliminar, por na prática contrariar a ânsia que exibo por ser um gajo do agrado geral. E do meu.
O tal tipo porreiro que sempre me quis afirmar.
Deixa mazelas, a constatação de que somos diferentes daquilo que temos por "padrão" da nossa conduta, da nossa essência e do impacto da nossa presença na vida dos outros. Diferentes para pior, quando constatamos que afinal o inferno das nossas boas intenções mede-se pela distância a que os tais outros (que nos servem de "barómetro") se colocam para se salvaguardarem de nós. Pela prudência e pela saturação. Não existe volta a dar, é mesmo assim.
Defeitos e virtudes na balança. E o peso (o equilíbrio) determina-se pelo tipo de relações que fomentamos, pelo cariz das reacções que suscitamos, pela bitola que nos avalia do lado de fora da nossa vontade e da nossa convicção.
Os factos que nos entram pelos olhos e pela alma, quando a visão é aguçada e a lucidez não perdoa.
A blogosfera, como o resto da vida, obrigou-me a reequacionar uma porradona de ideias (pressupostos) que tinha por dados adquiridos na versão cristalizada do homem que sou (que acreditava ser) e dos outros (como os idealizava). No que me respeita e no que concerne ao meu papel na vida de terceiros.
Talvez consiga um dia ser uma pessoa melhor, mais consonante com o perfil que vestiria (na minha ambição) o conjunto de características que me compõem, com base neste ponto de partida tão bom como outro qualquer. Nas conquistas e nas perdas, nas expectativas e nas desilusões (os outros também erram). Na contabilidade fria e racional do mérito que me assistiu e do demérito que os factos não permitem desmentir. Na análise distanciada dos meus (d)efeitos nas intervenções que produzi e nas suas consequências à vista desarmada.
Nas contrapartidas que não consigo descortinar para a minha forma de encarar as coisas e de agir em consonância com o que me julgo, com o que me sentem e com aquilo que na verdade sou.
Sou um gajo decente mas com muita merda por expurgar.
Sou, no final das contas, um homem vulgar.