O sol a apresentar cumprimentos de despedida e a noite a tomar aos poucos o seu lugar no céu.
O chamamento da madrugada à flor da pele, energia, e nas pequenas faíscas que se desprendem do olhar fixo num ponto de horizonte que se define apenas como longe daqui.
O duche tomado e o charro enrolado a rodar por entre bocas mais viradas para as sonoras gargalhadas que se sucedem a cada pretexto dos que se atropelam quando a única vontade é estar feliz.
O plano delineado, um palpite ou sugestão, e o carro a pedir pressão no pedal do acelerador. Mudança engatada e o tapete vermelho estendido numa estrada aparentemente sem fim.
O destino traçado que algures é alterado para uns quilómetros adiante, talvez bem dentro até de um outro país. O mundo pequeno na cabeça que diz não querer parar enquanto a música rasgar com a batida do som à medida da vontade irreprimível de partir.
A loucura, controlada no essencial, libertada ao mais pequeno sinal que pode ser um qualquer estímulo exterior. Uma palavra apenas ou uma declaração de intenções.
O mapa esquecido para trás, drama algum, o palpite (mais um) da maioria que vira à esquerda e logo se vê onde iremos parar.
A lado algum, ou a qualquer lugar capaz de acolher a alegria de viver aos saltos na noite felina que nos agita, por dentro, a voz que nos grita usufrui.
A consciência já toldada pela mola acordada do seu torpor, a predisposição para o sexo ou para o amor denunciada no ritmo do corpo que se deixa arrastar pela ondulação de um som espectacular.
Mais uma cerveja a rolar de boca em boca que a garganta não pode ficar seca quando canta as palavras irrequietas de uma rockalhada que incita à revolução interior.
A força redobrada pelo encontro casual com um olhar que desperta o instinto animal, o avanço destemido com o coração acelerado e disponível para uma paixão instantânea que transforma cada momento numa hipotética última vez.
O som distante dos baixos lá dentro, de onde a vida se deslocou para o exterior onde a noite estrelada testemunha o amor que se faz no carro, na areia, na relva de uma vivenda desabitada ou onde estiver a dar largas à pele para tocar na química submetida à experimentação da liberdade total.
O primado da emoção desgovernada, à solta pelo espaço amplo que a madrugada constrói na incógnita do que a escuridão relativa dissimula ou oculta. As barreiras tombadas no decorrer de uma luta de beijos e de sensações contra os medos e as hesitações em que quase sempre o impulso primário consegue levar a melhor, vergada a resistência ao apelo selvagem da vontade de viver, espalhadas com as roupas pelo chão à luz dos primeiros raios do sol que espreita por detrás do ponto que a vista consegue alcançar.
A vida a namorar as silhuetas dos amantes abraçados que se despedem da noite com um sorriso nos lábios e uma vontade imensa, livre de interrogações castrantes e vãs, de acolher no peito o calor da alvorada de mais um milhão de amanhãs.