Muito (quase tudo) do que fazemos ou deixamos por fazer é fruto do mero acaso.
A coincidência no cruzamento dos caminhos, a sorte e o azar, a vontade e a disponibilidade muitas vezes criada a custo, contra uma série de obstáculos potenciais, que se deixa por concretizar.
“Fazer planos” é uma expressão ininteligível para mim. Porque pressupõe a existência de um amanhã que não está garantido seja para quem for, porque adia a concretização de algo que era para ser feito hoje, agora, e nunca depois. E porque um plano dificilmente passa de uma declaração de intenções, tão vulnerável se prova perante as inúmeras circunstâncias que o podem alterar ou mesmo excluir.
Nisto não se presuma o livre arbítrio a comandar o início de cada novo dia, a versão “extremista”, mas apenas a racionalização do facto de ser ambiciosa mas irrealista (quase arrogante) a fé no dado adquirido que boa parte das vezes se converte numa desnecessária desilusão.
O destino, ou Deus, ou acaso, ou aquilo que quisermos chamar à gigantesca incógnita que qualquer futuro representa, transcendem-nos com o seu poder e ditam as regras a toda a hora, mesmo que queiramos conceder-nos o benefício da dúvida na responsabilidade por uma realização qualquer.
Só depois de feito, só depois de acontecer, o plano pode revelar-se coincidente com o desfecho que arriscámos na previsão. Mas pode verificar-se precisamente o contrário e nem me parece que a estatística beneficie a versão optimista dos que traçam com rigor os passos que não sabem se efectivamente darão amanhã.
Considero mais cautelosa e frutífera a noção de que hoje, agora, podemos ter como garantida qualquer das nossas acções, qualquer das nossas contrapartidas pelos momentos menos bons que possamos acautelar quando são viáveis, certas. Adiar implica arriscar o fracasso enquanto fazer só acarreta a possibilidade de resultar menos bem e de ser necessário repetir para fazer melhor ou ter que viver com a mácula. Varia consoante a pessoa.
Há muito deixei de acreditar, e não se leia nisso qualquer espécie de frustração, no planeamento para o futuro-interrogação que me deixa à mercê do tal mero acaso tão hábil em trocar-nos as voltas. A cada esquina (do tempo) pode surgir sem aviso o desmentido formal da tal certeza no cagar de tudo aquilo que logo se vê amanhã.
Por isso forço muitas vezes a antecipação daquilo que desejo aconteça e com isso incorro no excesso de pressa que intimida muitos daqueles que lidam comigo em qualquer das minhas dimensões.
Por isso baralho tanto o rigor das previsões e das certezas de quem calha partilhar comigo de forma mais próxima o tempo que tenho, o tempo que tive ou o tempo que me resta por gastar.
É a minha forma de estar na vida, assumida nos seus benefícios e devidamente punida pelas suas contradições. Decidida ao sabor das contigências a que sou alheio, vivida de acordo com a estrutura primordial do homem que sou, tantas vezes em rota de colisão com formas diferentes da minha, algumas tão do agrado de quem comigo se cruza agora, cruzou no passado ou, quem sabe, acabará por partilhar comigo um lapso de tempo do seu.
É aleatória, instável, garantida apenas pelo desenrolar de cada dia e por aquilo que ele revelar. À minha imagem e semelhança, tamanha a imprevisibilidade das minhas respostas aos estímulos e da natureza das minhas reacções.
O melhor de mim próprio quando tal é possível não é um favor que faço seja a quem for, é o mínimo que me merece quem corra o risco que represento para quem se aproxima demais.