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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

22
Abr13

Somos o que somos porque sim

shark

Somos o que nascemos.

Aquilo que herdamos, o sangue de alguém. Um pai e uma mãe, mais uma linhagem qualquer. A família, antepassados. Genes que nos determinam, feita uma combinação com o acaso ou com Deus consoante queiramos acreditar. Somos o que nascemos, a estatística que nos faz saudáveis ou doentes, perfeitos como nos anseiam ou azarados logo à partida com um problema qualquer que nos possa condicionar daí em diante, diferentes como os outros mas condicionados por uma diferença a mais.

 

Depois crescemos e somos aquilo que bebemos de quem nos queira criar, a educação que nos orienta até à hora de sabermos quem somos mais o que queremos ser afinal.

Aquilo que aprendemos, as coisas que imitamos até ao dia em que entendemos melhor o papel que queremos assumir. Decisões que tomamos em função da forma como sentimos mais o que a razão nos aconselha, dentro dos limites impostos à nascença pelo conjunto de condições reunidas pelo destino, o nosso e o de quem nos sustenta e em nós deposita as suas expectativas e, por vezes, até as suas ambições por concretizar.

 

Somos o que decidimos, também.

Escolhas certas ou erradas que podem influenciar sobremaneira tudo aquilo que seremos então. Tudo isso mais o mundo à nossa volta, cheio de gente como nós cujos caminhos se cruzam com a rota que traçámos e tantas vezes alteramos para as alinharmos em função, moldamos aos poucos a viagem à medida de coisas tão aleatórias como a necessidade temporária ou, com muita sorte, o amor que nos dizem ser melhor quando eterno até nos apercebermos que as rotas paralelas se transformaram aos poucos em rotas de colisão.

Pode acontecer dessa forma ou precisamente ao contrário, na lotaria que nos oferece números premiados como nos impõe a dado ponto os picos de desilusão. Pretextos para deixarmos cair sonhos antigos ou para aceitarmos como causas perdidas as certezas arrogantes de um tempo em que nos acreditávamos capazes de tudo e a felicidade surgia no horizonte como um sol livre do ocaso ou dos temporais.

 

Somos o que nascemos mais tudo o que cada pessoa é capaz.

Mas também somos o que vivemos e por isso tudo aquilo que sejamos será sempre muito do que a vida nos faz.

03
Mai11

AO MEU MELHOR AMIGO

shark

Eu tive um amigo a sério, leal, presente, incondicional.

Um amigo a sério, constante, que não hesitava em retribuir um abraço com a manifestação de carinho que lhe era possível, que escutava em silêncio os meus desabafos, orelhas arrebitadas para ouvir cada uma das palavras que parecia perceber, era isso que parecia dizer-me com o olhar porque esse meu amigo a sério, infelizmente, não podia falar.

Mas ouvia e ao mínimo sinal de apuros da minha parte ou de uma ameaça latente fazia sentir a sua presença e não hesitava, provavelmente até a vida dava por mim, o seu amigo principal.

E era, sem dúvida, um amigo a sério, leal, incapaz de trair a minha confiança, dedicado.

 

Andava comigo para quase todo o lado, insistia que fosse assim. Porque gostava de mim sem reservas, como nunca antes dele ou depois experimentei. Era único, esse amigo que entretanto perdi, depois de muitos anos de convivência, de muitos anos de vida tão próxima quanto seria possível entre dois amigos como nós. E sinto-o insubstituível, acredito mesmo ser impossível voltar a ter um amigo assim, tão fiel aos princípios mais importantes numa relação.

 

E sim, sinto cada vez mais a saudade do meu cão.

20
Abr11

A POSTA APREENSIVA

shark

Recebi um dos maiores chuveiros de humildade no dia em que percebi que uma mulher, uma paixão, preferia dedicar o seu tempo a um jogo de computador do que ao contacto comigo.

Julgava-me apelativo, interessante, arrebatador. Pura ilusão. Um simples computador bastou para me bater aos pontos no confronto directo e eu senti essa derrota como uma goleada em casa, como uma humilhação.

Claro que essa experiência apenas desnudou a minha arrogância, exposta ao ridículo perante os factos que evidenciaram, na altura, o deslumbramento excessivo que me permiti por me julgar capaz de conquistas como as do passado, esse sim, recheado de vitórias que me resta recordar com saudade mas com os pés bem assentes no chão.

 

Hoje o meu Glorioso joga na Luz com o Porto.

E eu decidi que não gosto nada de associações de ideias palermas.

18
Abr11

A POSTA NA AMIZADE PROPRIAMENTE DITA

shark

Para justificarem longos períodos de silêncio e quando questiono esses hiatos como susceptíveis de porem em causa o conceito de amizade que sempre defendi, muitas pessoas que gostava de sentir e de usufruir como amigas fazem a apologia de uma amizade que pode durar para sempre, mesmo sem contactos frequentes (uma vez por ano ou menos?), porque não são os contactos que validam uma amizade mas antes um não sei bem o quê que presumo seja qualquer vínculo emocional que me soa sempre estapafúrdio quando percebo que há pessoas com quem não falo há tanto tempo que são hoje quase perfeitos estranhos.

E sabem menos a meu respeito do que, por exemplo, quem acompanha com regularidade o meu blogue.

 

Isto a propósito de eu ter tido conhecimento de um grave problema de saúde de uma pessoa que chamei sem hesitações minha amiga ao longo de vários anos de convívio próximo que, até por via de se ter tornado figura pública, acabou por cessar vários anos atrás.

Seria estúpido se negasse que senti o impacto do problema dessa pessoa com a carga emocional inerente ao tal vínculo que acima citei. Contudo, seria hipócrita se me achasse próximo o suficiente da pessoa em questão para proceder como um amigo sempre deveria em tais circunstâncias.

Não estou, de todo, próximo dessa pessoa a quem estimo e de quem guardo uma memória de dias felizes mas já demasiado idos no tempo para ser possível acreditar que ambos ou mesmo apenas um de nós tem muito a ver com as imagens que deixámos um no outro.

 

Esta situação, confrangedora como a sinto, ilustra bem o meu ponto de vista que defende a manutenção de um contacto mínimo entre as pessoas e que transcenda o cumprimento de circunstância, que implique falarmos e ouvirmos coisas acerca de nós e dos outros para irmos acompanhando o percurso de vida e percebendo as mudanças que o tempo impõe. Mais ainda, para não termos que saber dos maus e dos bons momentos por terceiros e, nessas condições, não possuirmos legitimidade para nos impormos na partilha desses momentos de que tomamos conhecimento por interposta pessoa ou, pior ainda e no caso concreto, pela Comunicação Social.

E é essa falta de legitimidade que desmascara o tal conceito de amizade quando calha, a prática desmente o pressuposto sem demora.

 

Dei comigo a enviar uma mensagem de coragem e de força através de um contacto institucional, uma presença virtual da pessoa amiga e figura pública, mesmo conflituando o impulso de transmitir a minha preocupação genuína com a noção de que a pessoa visada talvez já nem se lembre de mim, de nós, tanto tempo que entretanto decorreu, tanta vida que aconteceu sem dela reciprocamente darmos conta.

 

Dei comigo, mais uma vez, a não gostar de perceber a razão que tenho.

E que de bom grado dispensaria.

24
Mar11

CÓLICA RENAL FOR DUMMIES

shark

Neste preciso momento estou a tentar evitar a que, a confirmar-se, será a minha décima segunda cólica renal em cerca de 15 anos.

Diz quem já deu à luz e experimentou uma cólica renal que esta última bate a primeira aos pontos em matéria de dor, algo que, naturalmente, não posso confirmar.

Mas acredito que sim, ou dá-me a sensação de que a taxa de natalidade baixaria a pique (a menos que a epidural se tornasse obrigatória...).

 

Este é um tema desagradável para uma posta. Ninguém convive com a dor de forma pacífica, bem como com os sintomas que a prenunciam.

De resto, mais do que partilhar seja com quem for esta minha relativa ansiedade por estarem reunidas todas as condições para o ritual da ida ao CUF Descobertas para levar um shot de anestésico e fazer um tac ou uma ecografia, duas ou três horas de estadia, quero acima de tudo disponibilizar informação para quem, como aconteceu comigo, possa ser um dia apanhado/a de surpresa por um tipo de dor diferente de todas as que já sentiu e apanhe um cagaço sério.

E o pânico em nada ajuda a controlar a situação em causa.

 

As cólicas renais são provocadas por aquilo a que comummente chamamos de pedra nos rins e os médicos preferem apelidar de cálculos ou areias.

Existem vários tipos de cálculos mas, como é normal, procurei informar-me acerca do meu em particular.

E aqui entro na primeira questão muito terra a terra capaz de melindrar as pessoas (com pila) mais susceptíveis: a coisa acaba por sair do corpo e só tem um caminho possível. Quem tem o azar de lhe tocar um calhau dos maiorzitos e mais rígidos pode acrescentar à dor no rim uma outra nada apetecível. Não preciso de entrar em pormenores...

Para descobrirmos de qual se trata para podermos evitá-lo no futuro há que arranjar forma de apanhar o primeiro que calhe em caminho, para posterior análise.

Sim, também aqui deixo a coisa ao livre arbítrio de quem se vir em tais propósitos.

A necessidade aguça o engenho, enfim...

 

O meu tipo de cálculo é dos outros, mais areia do que pedra. É provocado pela reacção dos rins a um componente (oxalato) presente de forma significativa em quatro alimentos comuns: espinafres, amendoins, chá preto e... chocolate.

Está bem de ver porque sou já um veterano destas andanças, viciado como sou na melhor substância comestível da galáxia.

A boa notícia é que uma pessoa, depois de identificar o “inimigo”, pode fazer a sua escolha: cortar em absoluto e nunca mais passar pela provação ou, em alternativa, aceitar o preço a pagar e organizar a vida em função desse camartelo que pode tombar a qualquer hora e em qualquer lugar depois de cometido o abuso.

 

Regressando à partilha da experiência com potenciais interessados/as devo referir os sintomas mais comuns, pelo menos os meus e de algumas pessoas com quem troquei bitaites, começam por um mal-estar ao nível do estômago. Pequenas náuseas que depressa podem degenerar no gregório.

Quase em simultâneo, os intestinos costumam assinalar o evento e é quase certo que a coisa acaba (ou começa) no WC.

Outro indicador óbvio é a coloração da urina, que denuncia a carambola dos cálculos na tubagem de uma pessoa, e isso lembra-me de vos avisar para o facto importante de, apesar de ser imperativo o consumo de água em doses industriais no resto do tempo, nem uma gota é recomendável quando estamos a meio de uma crise destas.

 

Nada de líquidos ingeridos durante a coisa 

 

Só há duas coisas a fazer quando percebemos que vêm aí dores literalmente capazes de nos fazerem rebolar pelo chão: tomar um analgésico qualquer para adiar o tormento (comigo resulta o Nolotil) e apontar rapidamente para um Hospital ou uma Clínica. Não vale a pena tentarem suportar a coisa, digo-vos por experiência própria, pois cedo ou tarde a dor acaba por vencer e quanto mais tarde a combaterem mais intensa ela se torna. Por outro lado, existe a possibilidade de se confrontarem com areias das muito grandes (a partir dos seis, sete milímetros, estamos perante calhaus apreciáveis) e que só podem sair por via cirúrgica (a de laser parece ser a única opção, dado o tamanho da incisão quando se recorre à faca propriamente dita – não negligenciem um seguro de saúde se quiserem salvaguardar o voto nessa matéria...) pelo que não é mesmo nada boa ideia a pessoa armar-se em herói e aguentar a cólica sem sair de casa.

 

E pronto, já têm aqui umas dicas que espero não vos sirvam para nada e ao longo do tempo em que escrevi esta posta a coisa até parece estar mais compostinha na minha micro-canalização interior, pelo que sou capaz de me ter safado com a conjugação do Nolotil e de um duche bem quente.

 

Um último conselho: tenham sempre que possível à mão alguém que vos possa acompanhar nestas coisas.

Conduzir no meio de uma cólica é um desafio nada recomendável e chamar uma ambulância por este motivo vai parecer-vos sempre excessivo, além de que cada minuto à espera do transporte transforma-se em, pelo menos, uma hora na nossa mente alucinada pela dor “pontiaguda” que este pincel acarreta.

19
Mar11

A POSTA QUE DÁ TRABALHO LUTAR A SÉRIO POR PORTUGAL

shark

Por diversas vezes deixei bem claro o meu desencanto com movimentos desorganizados e sem objectivos concretos como o que dizem ter nascido de uma canção dos Deolinda.

Será fácil, num contexto de contestação a um líder em concreto mais do que ao desempenho do seu Governo (se tivermos em conta as declarações públicas de muitos políticos e não só), apontar o dedo a todas as vozes discordantes à mobilização popular e conotar cada uma dessas dissonâncias como manifestações implícitas de apoio a um Partido ou a um seu dirigente.

E essa reacção instintiva, sobretudo por parte dos que apenas se tentam empoleirar na onda para surfarem até algum tipo de poder ou de vitória moral que justifiquem a sua existência, constitui apenas mais um dos erros de palmatória de quem tenha conseguido levar o povo à rua para obter coisa nenhuma.

 

Este blogue, como outros nos quais debito prosa, tem registados vários apontamentos que deixam bem clara a minha posição acerca do que se passa e quais os aspectos que gostaria de ver corrigidos por via democrática. E aqui entra a perspectiva prática do que a minha opinião fora de moda traduz: a rua é, como a greve, por exemplo, um último recurso a utilizar para dar voz ao povo e exigir a mudança. Por isso as acções dos povos do mundo árabe estão a ser, na sua maioria, bem sucedidas, porque constituem uma medida de recurso de quem não consegue de todo chegar próximo do poder que pretende substituído.

 

Em Portugal, e ao contrário do que muitos oportunistas e demagogos entusiasmados preconizam, as formas de luta democráticas não estão esgotadas. Apenas não são utilizadas por preguiça e pela intervenção subversiva de revolucionários de pacotilha a quem, mais do que a defesa dos legitimos interesses da Nação, interessa agitar as massas para obter protagonismo na sequência de hipotéticas vitórias que toda a gente percebeu apenas produzirão nesta altura, e face às alternativas, mais do mesmo ou pior.

 

Esta última constatação parece ser o mote de desmobilização de muitos. Porém, o absurdo destas lutas inócuas contra bodes expiatórios conjunturais reside precisamente na ausência de propostas concretas para o passo seguinte de uma revolução necessária que se tornou agora emergente.

O encolher de ombros expresso na ausência de opções deveria dar lugar à consistência de movimentos locais capazes de alterarem o poder onde ele mais assenta, os partidos políticos, e forçarem a mudança onde ela pode e deve ser promovida: na Assembleia da República.

Nenhuma causa, nenhuma luta, pode ser ganha sem objectivos definidos e planos de acção realistas para o concretizar.

 

Mexam o cu, tomem o poder e façam acontecer a mudança para melhor que tanto exigem

 

Impotentes virtuais, os que descobriram no desespero de muitos a janela de oportunidade para a mobilização das massas teriam a obrigação ética e moral de construirem ou de angariarem de entre os seus melhores quem construísse um plano de batalha eficaz para a guerra que tentam começar sem nexo algum.

Impossível, dizem eles, dar a volta de outra forma.

Calões, chamo-lhes eu, quando sei que menos de um terço dos que estiveram na rua para cantar umas tretas bastariam para tomarem o poder por via democrática.

Como? - perguntarão os que se sentem orgulhosos da sua participação no momento que se queria histórico e que assim não suscitou mudança alguma.

Simples, seus tontos sem coragem para o compromisso: escolham um partido, qualquer partido, da vossa freguesia, do vosso concelho, inscrevam-se em massa como militantes, substituam os líderes actuais e façam melhor!

Uma trabalheira, bem o sei, que lá andei sozinho a pregar aos peixes e a ver o poder real decidido por escassas dezenas de compadres, familiares e amigos do gajo a promover nesse dia.

Mas permite uma revolução sem prejuízo para o país e pela via que a Revolução de Abril criou para o efeito e que mesmo os seus alegados maiores defensores jamais defendem porque lhes pode tocar a eles ficarem sem acesso ao que lhes sustenta as ambições e acaba por os transformar, à esquerda ou à direita, em acrescentos do mesmo sistema que nos flixa o futuro e destrói o país.

 

Se a geração à rasca se reclama tão bem formada e sem oportunidades, como é que de entre tantas cabecinhas manifestadoras não apareceu uma meia dúzia a quererem fazer as coisas como podem e devem ser feitas, quando a Liberdade o possibilita de forma tão inteligente e verdadeiramente democrática, para criá-las?

13
Mar11

A POSTA QUE SEM FLORES É SEMPRE UMA GAITA

shark

É talvez a frase que mais ouvi ao longo da vida: perdes a razão pela forma como a expões. Ou coisa que o valha.

Mas a ideia é aquela que a frase exprime, a malta desvaloriza a razão em prol do tom. Ou seja, e por muito que me custe aceitar essa premissa, mais vale parecê-lo...

 

Claro que se torna difícil achar (quase) todos errados, mesmo quando a nossa convicção é sólida e a argumentação a sustenta, se no final das trocas de impressões já se mergulhou nas discussões porque ninguém gosta de verdades incómodas ou dos dados adquiridos de alguma forma desmentidos pela lógica a que recorro sem excepções, pelo menos até me saltar a tampa.

E claro que não compro a ideia de que se pode perder uma razão pela forma como conseguimos apresentá-la. Ou é a razão e não há volta a dar ou não a temos e somos estupidamente teimosos e arrogantes, sendo esse o principal motivo para eu tentar sempre falar com justa causa, mesmo que a respectiva justeza possa passar por alguma falha no raciocínio que as poucas pessoas inteligentes que conheci sempre souberam expor-me com igual acutilância, precisamente com a inteligência que deveria sempre prevalecer sobre o orgulho ferido de quem não sabe perder e por isso desatina.

 

Eu sou assim, se acredito defendo até onde a lógica dos outros ou a verdade dos factos me desmintam. Admito que enquanto tal não se verifica insisto em procurar as incongruências no raciocínio dos outros, tal como me submeto a que denunciem as minhas, e sei o quanto isso irrita quem vê as suas ideias mal estruturadas com as perninhas no ar sem conseguirem assentar num terreno mais firme do que aquele que a minha forma de debater lhes oferece.

 

Contudo, não consigo abdicar deste meu estilo que ainda hoje acusaram de provocar urticária. Não faz muitos amigos nem alimenta grandes diálogos, mas sempre me permitiu filtrar as companhias.

21
Fev11

OK, ÁS VEZES A PESSOA RECEIA O KO

shark

Às vezes, nesta componente de pai que é um bico-de-obra, não consigo evitar um desconforto imenso quando tenho que negar algo de importante à minha marafilha simplesmente por não ter capacidade financeira para o efeito.

Claro que isto é um absurdo, à luz de qualquer lógica razoável, uma reacção fácil de desconstruir com base numa argumentação ao alcance de qualquer pessoa normal.

Porém, a sensação inicial permanece na memória e a frustração arredada para um canto, cada vez mais apertada dentro de um cofre qualquer da nossa carola que precisamos canalizar para outras cenas, por muito que fique escondida está lá e parece um conceito completamente amordaçado mas capaz de nos dizer tudo com o olhar. E uma pessoa lê, assim de passagem, a palavra falhado.

E uma pessoa fica a pensar.

 

A vida tem pontos altos e tem pontos baixos e o resto vai acontecendo pelo meio. Num mundo onde para além da capacidade de iniciativa precisamos de sorte nas conjunturas para não passarmos do oitenta ao oito numa pressa do caneco ter galo pode fazer toda a diferença. O galo pode passar pelos tombos na economia em geral ou especificamente no sector em que apostamos ou pode passar pela nossa manifesta inépcia para gerir a parte financeira de uma existência. Ou pode passar por ambos, e aí temos reunidas as condições ideais para o desastre.

Claro que a medida do valor que gosto de me atribuir não pode equivaler à minha disponibilidade pecuniária para atender a todas as expectativas da minha marafilha burguesa e a quem nunca algo de essencial ou mesmo de supérfluo dentro dos limites do bom senso faltou. Mal estaria se me medisse ou me medissem por tal bitola. Até porque já me provei uma máquina tão eficaz a gerar riqueza como a desbaratá-la. Up and down, in and out. Ondas sinusoidais do meu ciclo de vida económica que revelam em perfeita alternância o melhor e o pior do que o sistema tem para nos oferecer. Porreiro para mim, dirão.

Mas é uma porra quando sentimos o chão fugir-nos debaixo dos pés e no meio das múltiplas pressões surge em cena uma novidade que se converte de imediato num sinal flagrante da tal incapacidade de prover a tudo e mais alguma coisa, como faço ou tento fazer na parte de ser pai que não mexe com contas.

 

É difícil não apontar de imediato à cabeça a pistola da tal frustração escondida que sai da casca e nos ameaça por dentro e quase nos torna reféns desse medo terrível de fracassar. É algo capaz de quase nos paralisar enquanto pessoas com arte e com energia para cumprirem um dado papel, por quão distinto daquele que ambicionávamos. É uma angústia que queremos temporária, ou mesmo momentânea, para podermos seguir adiante e se necessário a pisar o prego a fundo no acelerador. Mas nem sempre é uma castração das que conseguimos sacudir para trás das costas a meio da correria, pode tornar-se numa espécie de ferrugem na vontade de ferro que reconhecemos na pessoa que somos nos dias melhores e estupidamente esquecemos quando a chuva cai forte e com o vento a favor.

Nas trombas, todos os dias, a verdade incómoda de a vida ser de facto como os interruptores e o que interessa mesmo é ter saúde e trabalho e amor e essas coisas importantes propriamente ditas que passam a secundárias no meio do turbilhão.

 

E depois a lucidez, tão serena, a impor a sua presença no meio do temporal e a abrir caminho nas nuvens para a pessoa espreitar o sol brilhante no meio de um convidativo céu azul. Uma senhora, altiva, conhecedora profunda dos meandros destes conflitos pessoais que assumem proporções de guerra civil quando lhes damos rédea solta.

Ela chega, quando menos se espera, e abre com gestos estudados uma coisa qualquer, uma caixa, com a graciosidade de uma gueixa que prepara um chá. E a pessoa bebe aquilo com sofreguidão, sem maneiras, e enche o peito de coragem para desafiar o dia pior que é sempre o dia a seguir quando a crise aperta e as decisões se tomam como as dos guarda-redes, à queima, meto a mão ou meto o pé, lanço-me para a esquerda ou para a direita, um passo adiante ou dois atrás.

 

Mas mesmo no meio da refrega, com o adversário contido à distância possível para apanharmos o mínimo de pancada enquanto não soa algum gongo que permite a um gajo sentar-se num canto a descansar, o medo pode reaparecer sob a forma do tal fantasma do sonho talvez capricho que ficará por cumprir, a pessoa demora a reagir porque já custa abdicar dos seus quanto mais os de quem nos compete criar e a pessoa leva nas trombas outra vez.

 

E não tem como não se levantar do tapete antes de contarem até dez.

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    11. O
    12. N
    13. D

Já lá estão?

Berço de Ouro

BERÇO DE OURO