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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

28
Jan16

A posta nos verbos de encher

shark

Virei-lhes as costas porque às tantas quase as senti desleais. Sei agora que não mereciam tal interpretação, tão óbvia me parece neste momento a ausência das culpas que lhes atribuo, sem nexo, quando a vida me atiça para lhe retorquir.

Comem por tabela, afinal.

 

São, como quase sempre acontece a quem e ao que nos é mais próximo, vítimas dos estilhaços aleatórios de uma espécie de explosão com a qual se marca um momento de viragem. O combate é muitas vezes travado no interior e elas pouco mais podem do que aguardar pela hora de entrarem em cena e cumprirem o papel a que se entregam.

Sem mágoas, sem contas para acertar porque na prática são vinganças e isso elas não conseguem levar a cabo de forma consciente e voluntária.

São, como quase sempre acontece a quem e ao que nos é mais querido, injustiçadas pelas distâncias criadas com base num pretexto tão idiota como os que sustentam todos os afastamentos artificiais.

 

Senti-lhes a falta, todos os dias sem excepção, e nunca consegui colmatar a sua falta com panaceias de recurso que não passam de estratégias desorientadas por nem se reconhecerem nessa condição. Mas apontava-lhes o dedo enquanto instrumentos do meu desacerto, cúmplices involuntárias do destino que eu próprio ajudei a traçar no finca-pé nos valores que elas sempre me ajudaram a exprimir. Bodes expiatórios de circunstância, nada mais.

 

Agora, talvez porque me amem até mais do que faço por merecer, quase me pedem desculpa pelas pequenas traições para as quais as arrastei à bruta, forçando-as a serem arautos das minhas múltiplas zangas e indignações.

 

Algo embaraçado, tento recuperar uma relação sólida, porquanto construída por entre os escolhos que a vida semeia, como minas mais ou menos camufladas, ao longo do terreno que escolhemos pisar.

Celebro convosco a minha reconciliação com elas, as palavras que amo.

 

E o amor, todos o sabemos, é sempre uma coisa bonita de partilhar.   

24
Mar15

Para não emudecer

shark

Em poucas palavras.

Apenas as bastantes para comunicar por breves instantes as coisas que não podem ficar caladas. Para lhes justificar a existência, palavras imbuídas da prudência que lhes é recomendada para poderem ser ditas sem prejuízo de algo ou de alguém.

Para as tornar indispensáveis mas nunca maçadoras e sempre cheias de razão.  

Para salvar as próprias palavras da ameaça de extinção.

27
Jan13

A posta que é um espelho do dono

shark

Quando falava, aquela pessoa parecia passear as palavras com uma trela. Açaimadas para não poderem morder alguém, treinadas para jamais espalharem pelo caminho algum dejecto que aquela pessoa tão limpinha pudesse ter que apanhar do chão.

As palavras lá iam saindo, direitinhas, domesticadas, sempre as palavras bem comportadas que qualquer dono gostava de ter.

Palavra deita! Palavra rebola! E as palavras obedeciam, amestradas, sempre palavras bem treinadas para brilharem, para encaixarem na imagem daquela pessoa como peças de lego da sua construção de pessoa muito dona de si e das palavras que recolhia aqui em além, caridade verbal, para depois as transformar em palavras de estimação que passeava diante dos potenciais observadores.

Aquela pessoa falava sempre aquilo que melhor poderia soar consoante a outra pessoa ou a ocasião. Hoje uma palavra Golden Retriever, simpática e com um ar ternurento, amanhã uma palavra São Bernardo, tão imensa como a pessoa sua dona que a contemplava vaidosa do cimo de um altíssimo pedestal.

E as outras pessoas admiravam aquele dom, surpreendidas pela forma como as palavras eram tão bem ensinadas a cumprirem o seu papel, passeadas com elegância por aquela pessoa até ao dia em que alguém tentou aproximar-se para as observar com mais atenção e questionou a sua aparência tão perfeita que parecia irreal.

Afinal a questão nem se colocava, aquela pessoa tão correcta rosnava palavras de raça perigosa quando sentia ameaçado o seu território que lhe parecia um bem cuidado jardim e soltou as feras perante o olhar espantado de quem já se tinha habituado a um exemplo de postura.

Quando ladrava, aquela pessoa parecia que atiçava as palavras ferozes para atacarem o outro que soltava as suas pequenas e inconvenientes interrogações. As palavras daquela pessoa transformavam-se em leões, vociferadas para lhes enfatizar a agressividade que dirigiam à tal outra pessoa que as provocou com a sua inquisição.

 

Eram palavras de pessoa mas pareciam mesmo palavras de cão.  

04
Jul12

A POSTA NO REINO DO FUNGÁGÁ

shark

Se há questão que se mantém em aberto entre os seres humanos, embora numa espécie de banho Maria morno, é a da escolha entre a Monarquia e a República. Volta e meia, monárquicos e republicanos esgrimem argumentos na defesa da sua dama (com mais entusiasmo destes últimos porque o seu ícone até tem as maminhas ao léu), o modelo de liderança dos subgrupos, das tribos a que chamamos nações. A coisa até já descambou em conflitos armados entre as pessoas.

Contudo, no reino animal a discussão é mais feroz e espanta-me ainda não ter assumido proporções alarmantes.

 

Ao que vi no meu percurso pela fauna portuga, o binómio Monarquia/República não existe e isso acontece pelo mesmo motivo que deixa de fora a democracia como opção. A bicharada não quer votar e prefere tratar o seu líder por Vossa Alteza.

Porém, o consenso acaba aí. Nas ruas é fácil de perceber a disputa acesa pelo trono no seio de diversas espécies do reino animal, sendo públicas tais divergências.

Em poucas centenas de metros é possível, por exemplo, encontrar dois reis dos caracóis.

E a avaliar pela dimensão das respectivas cortes, orgulhosamente expostas à vista de qualquer plebeu, não será pelo número que a questão ficará decidida. Os analistas chamam a atenção para a enorme influência dos orégãos de comunicação social neste particular.

 

Mas existe uma outra espécie onde são ainda mais os galos para um só poleiro: os reis dos frangos multiplicam-se pela cidade e os respectivos súbditos, fanáticos, fazem-se imolar pelo fogo (pela brasa, mais concretamente) em quantidades astronómicas na luta encarniçada pelo poder que se faz sentir pelas redondezas num macabro odor a churrasqueira a que nenhum transeunte parece ficar alheio.

Consta até que alguns frangos mais leais ao seu monarca se fazem empalar num estranho ritual que vi mencionado como espeto e que deixa clara a coragem e o espírito de sacrifício que são incutidos desde o berço nos aviários deste país.

 

Um trono cuja disputa dá sempre porcaria é o dos leitões. Talvez por se tratar de um movimento juvenil de apoio à causa, o empenho dos jovens suínos no reclamar do ceptro atinge foros de uma irreverência descontrolada, ao ponto de o conflito estar já a estender-se ao reino das sandochas e sendo de prever também aí o surgimento de herdeiros de uma das coroas mais ambicionadas, sobretudo na região centro do país.

No chiqueiro agitado por esta luta fratricida a esperança é imensa e a confiança traduz-se numa lógica simples: vença quem vencer, o triunfo será sempre dos porcos.

 

O Fim da História ou a Última Amêijoa

 

Esta tensão permanente entre as monarquias animais já produziu episódios deploráveis. De acordo com fontes próximas das várias realezas, os interesses em causa são tão importantes que está a eclodir uma guerra surda entre as monarquias das diferentes espécies, sedentas de projecção. É esse fenómeno, ainda de acordo com as mesmas fontes, que estará na origem daquilo a que apelidam de boatos sem fundamento como o da gripe das aves (ninguém viu um único frango espirrar) e o contra-ataque da peste suína, havendo quem sugira que só por lapso ficaram alegadamente loucas as vacas e não os caracóis.

De resto, diversos anónimos destacam como mais um exemplo dessas formas de subversão a que está a afectar os inúmeros pretendentes ao trono de reis do marisco, o papão das toxinas que, citando fontes próximas das principais marisqueiras, não passará de mais um simples rumor. Em declarações que não quis gravadas, um anónimo exaltado afirmou à minha reportagem: Isso não passa de propaganda falsa. Dizem que algum marisco tem toxinas? É mentira. Desafio toda a gente a olhar atentamente para uma travessa de amêijoa à Bulhão Pato, qualquer travessa, mesmo que afirmem estar cheia de toxinas. E depois digam-me na cara que viram lá alguma toxina, uma que fosse!

 

Toda esta celeuma em nada afectou as monarquias mais sólidas, apesar de alguns pontos fracos beliscarem aqui e além a imagem do soberano incontestado. Contactámos o rei da selva que nos confirmou não existir de facto qualquer tipo de contestação ao seu poder, acrescentando um desabafo: “O único ponto fraco na minha imagem enquanto soberano incontestado é mesmo o Sporting, mas felizmente a malta daqui ainda só ouviu falar do Eusébio…”.

Sua Majestade igualmente sacudiu a juba em tom de reprovação relativamente à péssima conduta de outros monarcas e que tanto enfraquece as coroas, fazendo alusão a um alegado rei dos burros que por ali andou a matar elefantes.

 

Também no reino dos mares o líder é absoluto e ninguém ousa disputar o trono do tubarão, nem existe alguém que para o futuro próximo o preveja.

A chatice é que ele já foi por diversas vezes avistado a desbundar no regaço de uma República: a da Cerveja.

03
Mar12

PALAVRA

shark

Era uma palavra, isso sabia.

Apenas não compreendia porque não fazia sentido por si, porque não podia ser apenas palavra como se entendia mas submeter-se ao arbítrio na sua interpretação. Até a palavra solidão se bastava, toda a gente a conotava com um conceito universal. Sozinha, a solidão já tinha um significado e isso ainda lhe juntava a coerência. Até a solidão conhecia a independência das muletas como a palavra as entendia, todas aquelas de que precisava para se conseguir explicar.

Uma palavra sozinha sentia-se palavra nenhuma porque precisava das outras até para se afirmar na condição:

ÉS UMA palavra.

E isso já a palavra sabia, mas todos os outros precisavam das outras palavras para a reconhecerem na condição sem ficarem com cara de ponto de interrogação a olharem para uma palavra e só quererem saber afinal o que quer dizer em concreto, ali, a palavra palavra, mas palavra o quê, foi a pergunta que lhes deixei.

 

É que palavra de honra que às tantas já nem eu sei.

 

22
Abr11

A POSTA QUE HÁ CADA VEZ MAIS HISTÓRIAS POR CONTAR

shark

Está na natureza humana gostar de histórias. Tribos inteiras reuniam-se em torno de uma fogueira para ouvirem os seus anciãos nas narrativas de coisas acontecidas ou, tanto fazia, de ficções nascidas do acrescento de um ponto ao conto contado pelos pais dos seus avós.

Os melhores contadores de histórias garantiam um lugar de destaque nos tempos de lazer, eram protagonistas dos filmes que projectavam nas imaginações daqueles que entretinham, ora choravam, ora sorriam, com histórias de gente que podiam ser pássaros disfarçados ou deuses traquinas que desciam ao mundo real para matarem o tédio de uma eternidade nos céus.

 

As estrelas e a lua, fascinantes e misteriosas, cobriam o horizonte visual por detrás das imagens que os espectadores criavam na tela escura da noite, caçadores trapalhões que fugiam, eles as presas, da sua caça que os apanhava a jeito agachados nas suas precisões, feiticeiros poderosos que transformavam os inimigos em insectos rastejantes, mulheres bonitas que conduziam tribos inteiras a guerras sem quartel, vidas contadas ou apenas inventadas pelas mentes dos contadores das histórias que divertiam os outros e lhes transmitiam saberes, as suas morais, que os ensinavam a respeitar o que mais valia e a temer ameaças que nunca haviam enfrentado até então.

 

As histórias propagadas pela voz profunda de um ancião a cada um dos seus sucessores, os futuros transmissores do registo possível de vidas a acontecerem num mundo tantas vezes hostil, mas quase sempre generoso nas oferendas de coisas que alimentam as vidas.

Como as histórias, preciosas, que distraíam os homens das suas preocupações diárias com a sua sobrevivência e a dos seus, que lhes abriam as portas dos céus com as memórias de antepassados que dessa forma não eram esquecidos ou a lembrança de filhos perdidos sob os rigores de um inverno mais duro ou numa armadilha montada por uma tribo rival.

Os mais jovens, sedentos de diversão, ouviam as histórias com mais atenção porque delas sorviam aos poucos tudo aquilo que lhes poderia valer ao longo do caminho pela existência forrada a pontos de interrogação tão numerosos como as estrelas no céu que não sabiam explicar mas existiam porque os seus olhos as viam como aos rostos enrugados e aos sorrisos desdentados dos velhos que imitavam os búfalos que atacavam os caçadores desatentos ou abriam os braços como asas dos falcões que diziam transportarem as almas de heróis que sobrevoavam os campos de batalhas vencidas ou de derrotas sofridas ou apenas para poderem rever as suas amadas depois de a morte os levar para o outro mundo que não lhes permitia falar para contarem as suas histórias, enriquecidas ao sabor da passagem do tempo com as impressões mais marcantes ou as informações mais importantes que os mais sábios ou os mais espertos precisavam divulgar.

 

Sim, está na natureza humana esta sede de contar e de conhecer as histórias que continuam a exercitar a imaginação ou a perpetuar uma tradição mais teimosa, capaz de resistir à influência perniciosa do progresso sobre os hábitos antigos e os detalhes que não se querem esquecidos das origens que se queiram respeitar ou apenas porque não se podem perder rastos da passagem do tempo, sabedoria, que desvendam os caminhos do futuro nas entrelinhas das histórias de ficção que já não se desenham no céu estrelado mas ganham vida nas páginas irrequietas de um velho livro agitado pelo vento num jardim descrito numa história de amor ou mesmo por detrás do reflexo romântico da lua destacada pelo olhar por entre o brilho das palavras escritas num moderno monitor.

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