16
Mar05
ALGUM AMOR EM POUCAS PALAVRAS
shark
AS VOLTAS TROCADAS
Mal nos falávamos, excepção feita aos cumprimentos da praxe, à entrada e à saída do local de trabalho comum. Cada um na sua sala, nem mesmo as nossas funções se cruzavam. Era um conhecimento de vista que me bastava para saber que ela era uma mulher muito bonita e pouco mais. O resto sabia-o pela boca de colegas, embora pouca credibilidade atribuísse à actividade cusca que grassava.
Diziam que era casada com um bruto que a engravidara alguns anos atrás e que até parecia bom moço, no início. Não era.
Um dia ela apareceu, aos vinte e poucos anos de idade, de óculos escuros em dia nublado. Todos adivinhámos o que estava em causa e ela acabaria, entre lágrimas, por exibir o estado em que o pai do seu filho lhe deixara um sobrolho. Ofereci-me, tal como outros colegas, para tomar uma atitude mas ela não aceitou qualquer tipo de ajuda. Deixei cair o assunto no ficheiro das preocupações adormecidas.
Pouco tempo depois, e pela primeira vez, o nosso ofício seria conjugado para uma missão específica com vários dias de duração. Foi num desses dias que conversámos por mais tempo pela primeira vez e ouvi da sua boca os pormenores que, na maioria, coincidiam com a versão das conversas de café pelas costas. E foi também num desses dias que ela precisou de um ombro para chorar, tristeza amplificada pelas saudades do filho, e foi no meu que verteu as lágrimas acumuladas. Depois beijámo-nos e demos início a vários dias de intimidade e de intensa paixão.
Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que ela se sentisse amada. Ao ponto de me apaixonar perdidamente por ela. Mas o trabalho em equipa chegaria ao fim e a questão colocou-se de imediato. Ela nem hesitou. Regressaria para os braços do seu homem, o que a traía e maltratava. E eu, estupefacto, arrisquei perguntar-lhe porquê.
Com um sorriso triste, ofereceu-me uma madeixa do seu cabelo, beijou-me os lábios pela última vez e respondeu:
Eu amo-o muito e não consigo viver sem ele.