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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

14
Mar05

CONTAS DE CABEÇA

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No trailer de um filme prestes a estrear, o personagem representado por Will Smith fornece tutoria a um fulano acerca da melhor abordagem a seguir quando chega a hora de conquistar o primeiro beijo a uma mulher. "Avanças noventa por cento e deixas-lhes os restantes dez por cento para percorrerem elas o resto do caminho". Não terá sido exactamente desta forma que ele o disse, mas a ideia era precisamente esta.
Sorri e dei comigo a pensar nesta questão da estratégia que todos tentamos desenvolver para lidar com tais situações. Claro que existem contextos onde as coisas não passam por qualquer tipo de esquema pré-concebido, mas é inegável que cada um de nós possui a sua própria medida para os avanços e os recuos. É nesse aspecto que concentro a atenção desta posta.

Cada pessoa tem uma noção de como deve (ou de como quer) reagir perante um(a) amante potencial. É nesse sentido que falo em estratégia. Por exemplo, existem homens que quando avançam é a cem por cento. Nem consideram a hipótese de deixar margem a hesitações. Esta forma radical de fazer as coisas só resulta, no entanto, se estiver reunida uma feliz conjugação de factores. Ou dá para o torto e de uma forma nem sempre agradável para os protagonistas.
Outros homens, pelo contrário, só avançam dez por cento e expõem-se a fracassos evitáveis. Porque do outro lado está outra pessoa, uma mulher e, regra geral, condicionada pelos seus medos e pelas suas próprias reacções a este tipo de iniciativa. Com noventa por cento do caminho por percorrer, dificilmente se contará com a colaboração entusiástica da hipotética beijada.

Isto parece simples de analisar, como tudo o que se analisa à distância. Mas no momento das grandes decisões, quando tudo em nós grita que está na hora de tomar uma atitude, o caminho a percorrer pode estar (e nas pessoas com bom senso deve estar) dependente da pessoa alvo desse avanço e do contexto global que proporcionou a ocasião. Até porque nem sempre os sinais que interpretamos jogam certo com as intenções do emissor. E quando se equacionam as coisas desta forma, as teorias dos "entendidos" perdem alguma consistência.
Se impomos às outras pessoas o nosso modelo de comportamento, a nossa percepção da distância a percorrer (em centímetros e em intimidade e confiança) ao contacto físico que pretendemos, estamos a desrespeitar as suas decisões e as suas fronteiras. Estamos de alguma forma a violentar essa pessoa, que até pode ser apanhada de surpresa e perder a capacidade de reacção pelos piores motivos. Podemos deitar tudo a perder.

Este equilíbrio não é fácil de estabelecer e até existem casos nos quais o avanço destemido é a melhor receita. Porém, esse tiro no escuro pode desviar-nos a pistola para um pé. O nosso ou a da outra pessoa, se de alguém fragilizado se tratar. É essa, no meu entender, a justificação razoável para a prudência (mesmo quando esta se possa revelar excessiva). Porque outras se intuem facilmente a partir do diálogo (embora nem sempre este denuncie determinadas imprecisões) e de outros indicadores menos fiáveis mas fundamentais na interpretação das intenções de pessoas mais tímidas ou temerosas (ou simplesmente não interessadas em nós nessa perspectiva).
Existem riscos que não se devem correr, mesmo hipotecando a oportunidade que aparentemente se configura. É embaraçoso e confrangedor para ambos os intervenientes quando algum se vê obrigado a travar as investidas do outro, sobretudo quando já existem laços de amizade a preservar. E o desconforto instantâneo pode ser a menor das consequências de tamanha trapalhada.

Tudo isto, porém, depende ainda de factores absolutamente irracionais e imprevisíveis. O amor e a paixão nunca se prestam ao estatuto de ciência exacta, precisamente porque nem sempre reagimos como a nossa razão recomenda. Neste tipo de assunto apenas ambicionamos mitigar um pouco a nossa ignorância, quando nos atrevemos a teorizar.
Por isso mesmo e na minha perspectiva, aquilo que o Will Smith advoga no trailer que citei não passa de uma chalaça inócua e como tal deve ser entendida. A medida dos nossos avanços e recuos define-se pelo nosso carácter, pelas circunstâncias concretas em que nos confrontamos com tais decisões e, acima de tudo, pelos mecanismos de protecção que as contingências da vida nos instalam. E isto vale para homens como para mulheres, pelo que o cariz absolutamente aleatório de demasiadas variáveis é sempre o dado mais adquirido da equação.

Com tantas contas de cabeça nunca cheguei a conclusão alguma. E sem ter a mínima noção se tomei a decisão mais acertada quando esta me competiu, já perdi a conta aos beijos que ao longo do caminho deixei por dar.
Às vezes, quando me vejo numa fase da vida da qual a estatística mais favorável indica que mais de metade já "ardeu" e da outra metade não poderei usufruir com o presente potencial, dá-me vontade de mandar às urtigas a cautela e de arriscar um pouco mais. Mas depois olho para a minha pila, esse dinâmico mas obtuso rolo de carne, e não consigo convencer-me a confiar-lhe as minhas escolhas. Mesmo que em casos pontuais se venha a confirmar ser ela a verdadeira e única detentora da razão, a existir uma.

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