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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

29
Jan13

A posta num aumento de pressão

shark

No espaço de dias um pai português disparou sobre a cabeça de um filho e uma mãe portuguesa envenenou dois. Estes dois exemplos mais recentes somam-se a outros que sempre chocam a opinião pública e que, para horror da maioria, tendem a proliferar.

Existe um denominador comum em boa parte destes casos e que obriga a uma reflexão séria acerca da forma como a sociedade está a lidar com o problema: a estas tragédias costuma estar associada uma doença mental, a depressão, que tem provocado outros exemplos similares um pouco por todo o mundo.

 

A depressão é um daqueles problemas cuja visibilidade só parece explodir na sequência dos episódios mediáticos protagonizados por quem, mesmo tendo sido diagnosticado na condição, não teve o acompanhamento devido e acabou por perder por completo o controlo de ideias e de acções.

Fala-se da depressão com a ligeireza de quem pretende justificar tristezas várias ou, quando as pessoas afectadas exibem de forma mais evidente o seu completo desnorte, evitam falar de todo sob o espectro do rótulo de malucos que se cola como um estigma definitivo na imagem de a quem talvez bastasse a medicação adequada para equilibrar a química em desacerto.

 

A emergência de um plano concreto de acção, até no domínio legislativo, que permita uma intervenção mais directa e actuante por parte dos organismos já existentes no âmbito do SNS, em conjugação com as autoridades policiais, junto de adultos a quem seja evidente a necessidade de tratamentos que quantas vezes se recusam a aceitar, faz-se sentir no quotidiano de muitas pessoas que lidam dia a dia com casos de depressão e respectivas consequências sobre a vida de quem padece e de quem tenta cuidar.

O reverso dessa alteração de mentalidades e tomada de consciência da crescente gravidade do problema será a proliferação destes dramas nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos noticiários radiofónicos ou televisivos.

27
Jan13

A posta que é um espelho do dono

shark

Quando falava, aquela pessoa parecia passear as palavras com uma trela. Açaimadas para não poderem morder alguém, treinadas para jamais espalharem pelo caminho algum dejecto que aquela pessoa tão limpinha pudesse ter que apanhar do chão.

As palavras lá iam saindo, direitinhas, domesticadas, sempre as palavras bem comportadas que qualquer dono gostava de ter.

Palavra deita! Palavra rebola! E as palavras obedeciam, amestradas, sempre palavras bem treinadas para brilharem, para encaixarem na imagem daquela pessoa como peças de lego da sua construção de pessoa muito dona de si e das palavras que recolhia aqui em além, caridade verbal, para depois as transformar em palavras de estimação que passeava diante dos potenciais observadores.

Aquela pessoa falava sempre aquilo que melhor poderia soar consoante a outra pessoa ou a ocasião. Hoje uma palavra Golden Retriever, simpática e com um ar ternurento, amanhã uma palavra São Bernardo, tão imensa como a pessoa sua dona que a contemplava vaidosa do cimo de um altíssimo pedestal.

E as outras pessoas admiravam aquele dom, surpreendidas pela forma como as palavras eram tão bem ensinadas a cumprirem o seu papel, passeadas com elegância por aquela pessoa até ao dia em que alguém tentou aproximar-se para as observar com mais atenção e questionou a sua aparência tão perfeita que parecia irreal.

Afinal a questão nem se colocava, aquela pessoa tão correcta rosnava palavras de raça perigosa quando sentia ameaçado o seu território que lhe parecia um bem cuidado jardim e soltou as feras perante o olhar espantado de quem já se tinha habituado a um exemplo de postura.

Quando ladrava, aquela pessoa parecia que atiçava as palavras ferozes para atacarem o outro que soltava as suas pequenas e inconvenientes interrogações. As palavras daquela pessoa transformavam-se em leões, vociferadas para lhes enfatizar a agressividade que dirigiam à tal outra pessoa que as provocou com a sua inquisição.

 

Eram palavras de pessoa mas pareciam mesmo palavras de cão.  

19
Jan13

Um sentimento de alegoria

shark

Tudo na vida tão dependente de um qualquer detalhe insignificante como o entendemos, ou não acabaríamos por o negligenciar. Um passo em falso depois de quilómetros de caminhada e tombamos no vazio, naquilo que se revela como o fim da estrada com o qual nunca queremos contar.

Queremos apenas caminhar para diante, às cegas, tentando adivinhar o percurso ideal por apalpação do quente ou do frio, do muito duro ou demasiado macio, tacteamos as opções quase de raspão enquanto alimentamos a ilusão de uma viagem sem fim.

Tropeçamos vezes sem conta e outras tantas precisamos de reunir a força necessária para manter de pé a esperança que nos move sempre rumo ao que ambicionamos melhor.

Decisões tomadas à pressa, sob a pressão dos dias que se tornam horas e depois são minutos, tanto tempo investido que em segundos deitamos a perder com algo de tão aparentemente inofensivo como uma reacção despropositada, uma liberdade exagerada que concedemos ao feitio que julgamos, ingénuos, ser obrigação dos outros aceitar nas suas limitações.

 

Alimentamos ilusões como se fossem filhas que nos compete criar, inventamos-lhes sustento na imaginação, sem adivinharmos o quanto podem não passar de mais um pedaço de chão que nos foge debaixo dos pés como cada dia que nos prova a inevitabilidade do envelhecer, o tempo que acabará por se esgotar connosco perdidos no meio do caminho escolhido, na maioria do percurso, pelos empurrões com que a vida nos desvia para os seus atalhos que nunca encurtam a caminhada e tantas vezes nos afastam de vez da rota traçada no mapa em papel fantasia quando o tempo parece todo o do mundo para lá se chegar.

Queremos apenas perseguir a linha do horizonte, sem tréguas, tentando acreditar que um dia conseguiremos de facto agarrar aquele sol teimoso que todos os dias se escapa e se esconde e nos obriga a reunir a fé indispensável para voltarmos a tentar, depois de tanto esforço investido nas farsas que aceitamos como um mal menor, como meios para atingir os fins que nos surpreendem nessa condição.

 

Porque nunca parecem aquilo que são.

12
Jan13

A posta que quando voltar a acontecer dirão que foi apenas um azar

shark

Dificilmente alguém poderá contestar a capacidade e a competência de um domador para treinar animais. De resto, os domadores conseguem criar laços de proximidade extrema com animais selvagens ou mesmo ferozes e espantam multidões ao enfiarem a cabeça na boca de leões sem que nenhum mal lhes aconteça.

Ainda assim, não há muito tempo, o próprio Hugo Cardinalli acabou internado num hospital e os ferimentos sofridos na sequência do ataque imprevisto por parte de uma das suas feras domesticadas acabaram por ser um mal menor, pois sobreviveu.

A criança alentejana que, aos 18 meses de idade, foi atacada por uma fera de estimação numa casa de família teve menos sorte, pois morreu.

 

O paralelo entre ambas as situações é simples: seres humanos forçaram a barra da natureza e entregaram a sua segurança ao pressuposto de que tudo correria pelo melhor, confiando no bom senso de animais perigosos para saberem lidar com situações imprevistas. Contudo, tanto o felino que marcou o domador com unhas e dentes como o canídeo que fincou estes últimos no crânio de um bebé defraudaram as expectativas criadas em torno da alegada eficácia do treino ou da domesticação de criaturas cuja evolução natural ou man made lhes incutiu um instinto predador ou simplesmente agressivo em matéria de domínio territorial.

 

Um leão pertence tanto à arena de um circo como um pit bull pertence à cozinha de um apartamento. Criticar o dono de um cão de raça perigosa por ser incapaz de controlar o animal a todo o momento equivale a criticar o dono de uma metralhadora por esta se disparar sozinha por encravamento do gatilho ou defeito não descoberto no mecanismo de bloqueio da arma em causa.

O problema continua a ser o mesmo: muitos cidadãos comuns são incapazes de prevenir as coisas que só acontecem aos outros quando tomam a seu cargo responsabilidades que envolvam o risco de vida para si e para quem esteja por perto.

Essa é a lógica expressa na Lei quando proíbe os cidadãos comuns de terem metralhadoras ou morteiros em casa e é o mesmo espírito da que não autoriza a adopção de tigres da Sibéria ou de serpentes venenosas como animais de companhia.

 

Quando milhares de cidadãos se aprestam a assinar uma petição para impedirem o abate de um animal que, por incúria dos donos mas também dos adultos que deixaram uma criança entregue a si mesma num espaço sem luz, já se provou constituir uma ameaça para os seres humanos, com base no argumento de que a fera assassina não é culpada do que se passou e pode ser treinada para não repetir a façanha, apetece-me levar o raciocínio ao extremo a ver se entendem a base imbecil do seu impulso salvador.

Se confiam em absoluto na capacidade de treino de um animal que matou alguém, porque não arriscam promover o animal a cão de guarda numa creche frequentada por filhos dos subscritores da dita petição? Seria uma questão de coerência e desmentiria até os que como eu defendem a proibição absoluta da permanência de cães de raça perigosa em casas de habitação e, acima de tudo, nas mesmas ruas onde a minha filha merece circular sem temer perigos mais habituais numa savana.

 

A referida petição pode até ser subscrita pelos mesmos cidadãos defensores dos animais que as assinam contra as touradas ou, ironia, contra o cativeiro de animais selvagens nos circos deste país. Ou seja, podem estar carregados de boas intenções e centrados apenas no interesse dos bichinhos. Porém, ao seu gesto adorável que promove o indulto para um monstro potencial que matou porque o deixaram e não porque quis corresponderá uma ainda maior permissividade legislativa para com as máquinas assassinas (contra factos e números não há argumentos) que nada pode impedir de reagirem como tal em determinadas circunstâncias que, cedo ou tarde, acabarão por se repetir e somarão mais morte e mutilação ao triste registo destes cães que matam mais só em Portugal do que matam os tubarões no mundo inteiro.

 

O resto é folclore mais a ingenuidade e a estupidez tradicionais dos que deixam manipular as suas emoções pelos interesses de criadores abastados e de donos incapazes de aceitarem a evidência de que muitos cães mordem as mãos que os alimentam até ao dia em que são surpreendidos à dentada nas suas ou nas de quem se torna vítima da negligência ou apenas do azar de ir a passar quando a verdadeira Natureza se impõe.

07
Jan13

A posta que o superficial tende para o efémero

shark

Aos vinte anos de idade o apêndice para números telefónicos da minha agenda tinha letras que esgotavam o espaço, ao ponto de acabarem muitos nomes arrumados na letra que era sempre a menos utilizada.

Hoje, quando olho para esses contactos, sinto aquilo como uma lista de fantasmas, meras referências de um passado que não conseguiu aguentar-se até este presente envenenado das relações precárias que o fenómeno das redes sociais, por exemplo, ilustra sem contemplações.

 

Sou do tempo dos amigos para toda a vida. Era assim na amizade como no amor.

Claro que nem sempre as coisas corriam de feição, a vida é trapaceira e coloca-nos muitas vezes em posições insustentáveis perante os outros e vice-versa. Mas essas eram as excepções à regra. Bem ou mal, as ligações amorosas conseguiam resistir às inúmeras pressões que uma vida a dois acarreta. Bem ou mal, as amizades sobreviviam aos maus momentos e prolongavam-se no tempo à custa, quantas vezes, de cedências e de compromissos que nunca nos passaria pela cabeça tolerar. De simples pedidos sinceros de desculpa.

 

Talvez fosse apenas o instinto que nos levava a preservar essa ligação com quem se cruzava o nosso caminho e de alguma forma prendia a nossa atenção. Ou então seria a lógica que nos avisava que cada pessoa saída da nossa vida era mais um pequeno passo rumo a uma inevitável solidão. Nem arrisco presumir que era a natureza das emoções a fazerem a diferença. Certo é que conseguíamos manter a ligação com as pessoas ao longo de anos, muitas vezes apenas com base num telefonema anual a propósito de uma efeméride qualquer.

E agora isso não acontece, como o provam as minhas agendas sistematicamente vazias e a minha falta de empenho para voltar a preenchê-las.

 

Assumo o meu quinhão nesta mudança de paradigma, deixo cair os outros com a mesma ligeireza e leviandade com que o fazem comigo. Basta um pretexto, às vezes nem isso, para determinada pessoa sumir da minha vida. Basta algo tão simples como o desaparecimento de um telemóvel sem cópia dos contactos lá gravados, pois é quase certo que poucos, muito poucos, desses contactos voltarão a ligar. Por não estranharem a ausência ou por se estarem nas tintas para a minha falta no cenário.

É assim, preto no branco, que a coisa se processa em ambos os sentidos das ligações de merda, displicentes, descomprometidas, indiferentes, que estabelecemos entre nós em qualquer das dimensões que uma relação pode abranger.

 

É assim na amizade como no amor: temos meros conhecidos em vez de amigos a sério e amantes ocasionais em vez de amores duradouros. Apenas nos esforçamos para colorir a realidade, para a maquilhar para parecer como era dantes, no discurso e apenas. Fingimos acreditar que é coisa para durar, mas depois desertamos uns dos outros e das imensas maçadas que as relações mais próximas podem implicar. Queremos apenas um grupo que possamos integrar para não andarmos sozinhos na paródia, só para a reinação, e depois estranhamos quando nos momentos de maior aflição não faz sentido recorrer a qualquer uma dessas pessoas com quem não temos laços fortes o bastante para abusarmos da sua confiança que, de resto, é pouca ou quase nenhuma.

 

Isto a propósito desta prosa que li e recomendo a quem tenha pachorra para ler em inglês. É um texto corajoso de alguém que fala na primeira pessoa acerca da verdade dos factos, muito melhor do que eu seria capaz de o fazer.

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