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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

31
Jul12

A POSTA NUM MÁRIO MUITO ENCRESPADO MAS SEMPRE DE PEQUENA VAGA

shark

Utilizar este extraordinário veículo de comunicação para difamar pessoas é algo de tão errado que nem se justifica tentar explicar porquê.

Porém, a liberdade de opinião permite-nos de forma legal destilar qualquer embirração pessoal, sobretudo quando a pessoa em causa personifica muito do que de errado encontramos em áreas sensíveis para qualquer país.

 

Um dos pilares da Democracia mais corroídos pelos males que nos afectam é a Comunicação Social, nomeadamente pela concentração em grandes grupos (o caso Murdoch deixa-nos conversados), pela falta de critério na selecção de prioridades noticiosas e, de uma forma geral, pelo desrespeito crescente que o Jornalismo fomenta com uma notória e progressiva perda de qualidade e, acima de tudo, de isenção.

É nesta última que encaixo o meu ódio de estimação, passe o exagero, por um indivíduo inenarrável que dá pelo nome de Mário Crespo.

 

Um jornalista deve ser objectivo, rigoroso, imparcial. Deve também saber o seu lugar quando no exercício da função, o da pessoa que noticia e não o centro das atenções. E deve ainda, quando exerce num meio de CS como a televisão, possuir uma boa imagem televisiva (tal como se evita locutores de rádio com problemas de dicção, não por discriminação mas por ser lógico e razoável).

O Mário Crespo falha em toda a linha.

Não é objectivo porque altera o eixo de gravidade da notícia em função do seu critério pessoal, enfatizando aquilo que entende relevante e não o que de facto é. Não é rigoroso porque investigação, confirmação de idoneidade das fontes ou da veracidade dos factos noticiados são tarefas que nem deve lembrar-se como se executam, ficando portanto à mercê do rigor de terceiros. Não é imparcial, de todo, e não esconde a hostilidade para com tudo o que mexe à esquerda da sua própria corrente ideológica que insiste em impor como barómetro da verdade que o Mário Crespo anseia anunciar como uma boa nova, a sua e por isso a mais acertada.

 

O Mário Crespo é um fulano com quem facilmente se embirra, nem que seja pela diferença de tratamento que sua alteza aplica aos entrevistados em função da sua simpatia pessoal ou da reverência tantas vezes excessiva mas sempre traída pelos apartes típicos de quem agarra o posto pela antiguidade e se acha montes de importante, um opinion maker de polichinelo a perder-se numa função que o impede de brilhar à altura da convicção firme que a postura alardeia.

É um fenómeno inexplicável da televisão em Portugal, uma espécie de Artur Albarran mas sem o carisma e o look necessários para ser apresentador de sucesso em programas de terceira categoria.

O Mário Crespo, e deixei de forma intencional para o fim este item da minha embirração pessoal com o individuo em causa, é feio e tem expressões faciais que acentuam essa sua característica, pelo que só mesmo o talento poderia justificar-lhe a carreira televisiva e esse eu nunca consegui distinguir por entre as doses maciças de lapsos, de excessos, de incorrecções e de lugares-comuns que brotam daquela figura quase sinistra.

 

Mas de todos os defeitos que lhe possa encontrar para poder sustentar a minha falta de apreço pela pessoa, vou sempre destacar o que ele representa de negativo num contexto em que o país precisa mais do que nunca de profissionais sérios, independentes e mais interessados nos factos dos outros do que no mal disfarçado esforço de promoção pessoal, em busca de uma notoriedade e de um estatuto que, no caso em apreço, nem mesmo a exposição mediática que muitos dispensávamos conseguirá algum dia granjear.

 

29
Jul12

A POSTA EM VIAS DE EXTINÇÃO

shark

As lições da História em matéria de (maus) comportamentos humanos impedem-me de fazer finca-pé na noção de que não existem alegados ecologistas que aproveitaram a onda do ambiente para surfarem o sucesso financeiro. Concedo esse benefício da dúvida aos que tentam a todo o custo desacreditar os avisos e os números (que são factos) que comprovam não apenas as alterações climáticas que vamos sentindo na pele mas igualmente a sua ligação com um dos preços mais altos do nosso progresso movido a combustíveis fósseis.

Porém, a concessão que faço à possibilidade de infiltração de oportunistas em qualquer causa humana estende-se à que aplico à hipótese de existirem alguns indivíduos inteligentes mas tragicamente equivocados entre a falange de imbecis que tentam desmentir sem sucesso uma verdade tão inconveniente quanto insofismável.

 

Aquilo que os números provam, o disparar da carga de dióxido de carbono na atmosfera ao longo das últimas décadas e a relação directa entre essa subida a pique com as das temperaturas no mundo inteiro, as mesmas que derretem glaciares e transformam o mar numa fábrica de temporais como a Humanidade nunca enfrentou, é algo de tão temível como a queda de um calhau semelhante ao que aterrou no Iucatão, México, em termos de possibilidade de extinção global da vida no planeta.

Nem os apoiantes da indústria petrolífera, a mais interessada em chutar o assunto para canto enquanto ainda duram as reserva de crude e que se lixe o resto, conseguem desmentir a verdade dos instrumentos de medição. Apenas refutam a explicação óbvia para esses números assustadores, empurrando a culpa para a própria Natureza e para os seus ciclos que já impuseram meia dúzia de períodos bem gelados ao longo do último meio milhão de anos, na sequência de aquecimentos globais espontâneos.

 

É essa a principal teoria daqueles que tentam, por ordem, desacreditar e ridicularizar cientistas ou políticos de topo que tenham a desdita de abraçar o combate pelo planeta, dos que denunciam os sinais de alarme que a cadeia de poder político-financeira predominante tenta abafar a todo o custo para salvar o que resta de um modo de vida que sustenta as suas fortunas pessoais e garante muitos postos de trabalho, é certo. Mas em causa estão consequências dramáticas num futuro tão próximo que já começaram a fazer-se sentir, nomeadamente na perda irreversível de vidas em calamidades naturais, de espécies entretanto extintas pelos efeitos da poluição e nos danos cada vez mais irreparáveis no equilíbrio já de si instável dos humores da mãe-terra.

Fecha-se a ritmo acelerado a pequena janela de oportunidade que permite uma existência normal, ou apenas a própria existência, a seres tão frágeis como os que habitam este planeta entre os intervalos de eventos, cataclismos, que redesenham e repovoam a superfície da Terra que estamos agora a envenenar.

 

A minha maior irritação, para além de começar a perceber o lugar que ocupará na História, em havendo uma, o grupo de gerações que integra a minha, é perceber que não existe um esforço real de argumentação por parte dos advogados do diabo que se concentram em alijar responsabilidades ao ponto de criarem um espaço de manobra reduzido, reasonable doubt, de apostarem no descrédito de mensagens importantes a que urge prestar mais do que a devida atenção, que clamam por uma urgente intervenção à escala mundial no sentido de inverter a actual tendência ou, no mínimo, de preparar a Humanidade para a colheita de tempestades que a apatia generalizada continua a semear.

29
Jul12

A POSTA QUE JÁ SINTO O CALOR NAS SOLAS

shark

Uma experiência que jamais esquecerei foi a que vivi ao longo do evento foleiro que para qualquer lisboeta constituiu o incêndio do Chiado.

A imagem que se agarrou a mim como uma cicatriz impossível de disfarçar foi a que apreciei no cimo do Elevador de Santa Justa e que me deu a perspectiva black & white do que ali aconteceu nesse dia: de um lado o Chiado como sempre, intacto. E do outro uma fotografia a preto e branco de uma rua qualquer de Varsóvia após mais um bombardeamento aéreo.

 

Chorei perante o que vi, esmagado pelo que senti quando um local importante da minha cidade, da minha vida, morreu à mercê das chamas porque nenhuma reconstrução é feita em sintonia com o passado que se pretende, alegadamente, preservar. As cicatrizes são feridas curadas mas as memórias daquilo que representam, da dor que acrescentam às coisas boas que a vida nos dá, permanecem e permitem-nos constatar que depois de uma experiência traumática nada fica igual.

Alternei a vista entre os dois lados daquela passagem aérea, daquele corredor por cima da fronteira entre o céu e o inferno que alternavam consoante o ponto onde concentrava a visão, o que restava e o que desapareceu, a sorte da salvação a pairar quase como uma maldição sobre o lado daquele pedaço de vida que me servia como termo de comparação com o outro, dantesco, de um azar tão grande que só podemos entender como uma expressão visível daquilo que simplificamos com a palavra mal.

 

A vida pode colocar-nos sobre essa linha de separação sem nos oferecer uma perspectiva tão clara como a do pouso que escolhemos, um grupo de amigos, para assistir tão perto quanto possível a um dia triste da nossa história de alfacinhas como nesse dia, como nunca antes, me percebi.

O mal de um lado e do outro o bem, claros e distintos, sem qualquer espécie de dúvida ou de hesitação, sem qualquer influência subjectiva ou de uma má companhia sempre a jeito para explicar os nossos equívocos e até os desvarios.

Pode até o chão arder sob os nossos pés que nos quedamos imóveis como a rã em lume brando até ser tarde demais, distraídos com a influência externa ou interna de um impulso circunstancial ou apenas embalados numa estranha, porque perigosa, espécie de fé que se traduz na postura típica de quem acredita que tudo se haverá de compor.

 

É muitas vezes assim que nos deixamos tombar para o lado que acreditamos errado, adormecidos pela rotina, entorpecidos pela fadiga, desequilibrados pela ambição. Sem pontos de referência tardamos a distinguir o que nos serve melhor e uma vez apanhados de surpresa pelas circunstâncias reunimos forças em torno dos adornos indispensáveis para a justificação para terceiros que abraçamos como nossa, a verdade forjada ao sabor da conveniência que acaba por funcionar como um biombo que nos priva do tal termo de comparação que, na maioria dos casos, só o futuro nos exibirá.

Aquilo que podia ter sido, em contraponto com aquilo que a realidade nos dá, essa realidade que vivemos em função de pressupostos, de falsos pretextos, de paredes invisíveis erguidas no labirinto em que nos lançam os diversos poderes que manipulam o destino e as convicções à medida dos seus interesses egoístas e imediatos. Pessoas e organizações que nos cobrem os olhos com a serradura que funciona como um manto de nevoeiro a cobrir o lado em que não nos acreditamos capazes de cair até sermos obrigados a inventar-nos, histórias da carochinha, noutro lado qualquer ou baixarmos ainda mais os braços ao ponto de nos preocuparmos menos com o lado onde estamos e mais com a explicação atabalhoada de como nos fizeram lá chegar.

 

Alguém foi responsável pelo que aconteceu ao Chiado, quer por interferência directa, fogo posto, quer por resultado da negligência que resulta criminosa nos factos mas desculpável no plano das omissões que, no fundo, qualquer um pode protagonizar. Na prática o resultado é o mesmo, o desastre, e restam as cinzas e o entusiasmo político e/ou financeiro que se erguem como fénix dos escombros com o entusiasmo postiço de quem quer fazer radicalmente diferente mas pinta na preservação de fachadas uma ilusão de retorno ao que estava como dantes e isso, todos sabemos, nem no plano das boas intenções é tal e qual.

De um lado vai estar sempre o bem, ou aquela terra de ninguém a que chamamos o mal menor, e do outro o mal propriamente dito, aquilo que só não dói com uma anestesia chamada hipocrisia que nem precisam ser os outros, esses malandros, a contemplarem como recurso para dourarem uma das muitas pílulas que acabamos por tomar, panaceias éticas e morais, no sentido de podermos acreditar que não transpusemos a tal linha separadora entre o tudo como dantes e a ruína inerente à constatação dos factos que nos provam que quem anda à chuva molha-se e estamos, quantas vezes, mergulhados em águas mais turvas do que nos julgaríamos capazes de experimentar.

 

O Chiado é apenas um exemplo de entre muitos outros episódios, muitos recentes, que são como um arreganhar da dentuça dos muitos males que nos acontecem e, na sua maioria, apenas porque os deixamos acontecer. Apenas porque nos deixamos entorpecer pela soma combinada de pressões ou apenas pelas promessas que são ilusões de que, discretos e atinados, seremos como as princesas e os príncipes dos contos encantados se soubermos sempre desempenhar bem determinado papel que nos impõe quem se sabe no lado mais favorável do cenário e por lá pretende ficar, absolutamente nas tintas para a ruína temporária de uns quantos que, nas suas visões rasteiras, não passam de danos colaterais em face dos benefícios para outros no futuro que é sempre o presente de quem possua os meios, o egoísmo e o despudor necessários para o poderem influenciar.  

25
Jul12

EM CANAL ABERTO

shark

O líder dos socialistas e potencial Primeiro-Ministro mostrou-se chocado perante as imagens ao vivo da destruição provocada pelo fogo no Algarve e desabafou: “isto não é como ver na televisão”. Ou algo do género.

Até admito que tenha sido uma tirada espontânea, quiçá sincera, de um português confrontado com o resultado de uma política qualquer de terra queimada que ateia pirómanos ao serviço de interesses obscuros e lhes facilita a combustão com a falta de limpeza do mato que apanha tanto de surpresa os autarcas no meio de um incêndio rural no Verão como as sarjetas entupidas constituem um desafio renovado a cada inundação urbana em cada Inverno que passa.

 

Uma das maiores aflições que a falta de traquejo dos políticos destes dias me provoca é o notório alheamento dos mesmos da realidade tal como ela está a acontecer em Portugal. Não vale a pena invocar os concertos esgotados, os estádios lotados e as vendas em crescendo de Ferraris, a crise está a instalar-se de armas e bagagens de forma progressiva, galopante, e os discursos permanecem colados à questiúncula político-partidária, ao remoque, à gestão do imediato com a vista posta numa ambição qualquer.

A crise, que na boca da maioria dos políticos soa apenas como uma palavra forte, tão forte como maremoto mas igualmente dependente da percepção que pessoas afastadas de uma realidade conseguem formar a partir do que lhes chega no meio da confusão, no meio da pressão que inevitavelmente a gestão da crise, esse palavrão, lhes acarreta enquanto transtorno incontornável, enquanto conjuntura desfavorável para quase todas as recompensas que um cargo de poder, não viremos a cara à verdade, lhes proporciona, é um mal menor, um problema dos outros, para quem nunca a experimentou.

 

Lembrei-me do tal desabafo de António José Seguro e liguei-o de alguma forma neste texto à postura competitiva dos nossos líderes perante o monstro que nos atormenta porque, haja quem me desminta, se calhar tanto a multiplicação de incêndios como o alastrar da crise estão ligados ao alheamento à realidade de quem a vê pelos olhos de terceiros que, num contexto de exercício do poder com tudo o que isso implica, dificilmente a transmitirão com maior nitidez do que a televisão conseguiria. E porque a crise, não a palavra forte mas a debilidade humana à sua mercê, insiste em entrar pelas portas do cidadão comum que, para um político de topo, ficam quase nos antípodas das que governantes, aspirantes (chamam-lhes candidatos), deputados (um terço deles a partilharem funções com outras exercidas em nítido risco de sobreposição de interesses) e toda a corte financeira associada estão habituados a transpor.

 

No fundo é assim

 

A crise entrou hoje pela minha porta numa versão diferente da que venho experimentando ao longo do meu processo de decadência social, não sob a forma de mais uma ameaça relacionada com uma conta ainda por pagar mas com uma aparência muito humana.

Sim, a crise é uma palavra mas as suas consequências têm pernas.

A crise, a que hoje deu à costa para se exibir em toda a sua pujança, não entrou sem se certificar de que toda a gente ficava com a certeza de que não pretendia assaltar alguém. Repetiu três vezes o aviso que pudesse contrabalançar a aparência, que a de uma crise é sempre assustadora.

Entrou e explicou a custo, desdentado e com alguns copos a mais, que está desempregado e precisava de ajuda. E depois aprofundou.

 

A crise de hoje é um desconhecido, meu antigo colega de ofício, dezoito anos no tempo de vacas tão gordas que é fácil para mim entender que aquela pessoa, a crise, vem do mesmo mundo que cada vez menos é o meu, a classe média que a crise rasteirou.

Emprego e família perdeu-as no turbilhão. A casa foi algum tempo depois.

E ele, a crise, a explicar, a custo na pronúncia mas com desconcertante lucidez e com a desenvoltura no discurso de quem obteve bastante formação escolar, que se sabia embriagado mas precisava mesmo de se anestesiar depois da enésima entrevista de emprego marcada pelo organismo do Estado a quem isso compete, apenas para ouvir repetido o mesmo não acrescentado ao argumento da idade, 53 anos, que faz de um homem um trapo no que respeita ao mercado de trabalho.

A crise, aquela tão próxima que lhe sentia o hálito carregado de anestesia, verteu lágrimas aqui e além durante o tempo que lhe concedi para se apresentar, até porque não estava ali para assaltar mas apenas porque era a terra da sua infância, para onde fugia quando se sentia desesperado, e porque ele precisa de ajuda todos os dias para mais uma realidade impossível de transmitir pela televisão que é a da luta pela sobrevivência em sentido restrito. Passa longe de quem manda, a crise verdadeira, mas cola-se à vida de quem a sente na pele, pegajosa, a suar frio perante os apertos crescentes que aproximam uma pessoa, qualquer pessoa, de um ponto perigosamente próximo do declive para onde resvalou aquele meu antigo colega, um dos fatos com gravata que se cruzavam comigo em corredores prósperos onde todos acreditavam que em fazendo bem iriam fazer aquilo para a vida inteira.

 

Números que caminham

 

A crise que hoje me entrou pela porta, indumentária de recurso com marcas visíveis de um quotidiano menos limpo do que o dos políticos que gemem as suas impressões marcantes, os números terríveis, a estatística do desemprego, os números constrangedores, sem o amparo de uma condição financeira sólida, de uma multidão de conselheiros, de poderosos, de gente que sempre viu a crise pela televisão e até calhou estar distraída a conversar na altura ou a tomar decisões importantes para a vida da Nação, essa crise com duas pernas teve emprego, teve família, teve casa, teve carro, teve uma vida que entretanto se perdeu.

 

Perturbado, fiquei a ver a crise caminhar sobre duas pernas, um número da pessoa, rumo ao espaço para pernoitar por si encontrado na Gare do Oriente e que, um luxo, quase lhe garantia que alguém lhe ofereceria uma refeição, enquanto numa reacção instintiva mesquinha e egoísta pensei de imediato no cenário em que estou mergulhado e que tanto me aproxima do nível de crise daquele cidadão educado de classe média e ampla experiência profissional numa área medonha do meu ofício, os sinistros de acidentes de trabalho, e que ninguém emprega por já ter 53 anos e são apenas mais seis do que os meus e o futuro que a crise ao vivo e a cores me acenou surge como um borrão escuro desfocado no horizonte do pensamento, esboçado de forma grosseira no equilíbrio precário da minha condição.

 

E agora que falo nisso, nunca tinha visto a crise por esse prisma a partir das imagens na televisão.

19
Jul12

A POSTA NA CHAPA DE PAPEL

shark

Lembro-me de há uns anos o surgimento de um novo banco, nem me lembro de qual, ficar marcado pelo ponto mais forte da sua argumentação publicitária: não iriam existir as famosas chapas metálicas numeradas que nos permitiam adivinhar mais ou menos quanto tempo iríamos secar numa fila sempre comprida.

Foi uma novidade de peso, à época, por assinalar a entrada de novos players (acho que lhes chamam assim, e de forma apropriada) com uma postura competitiva cheia de amanhãs que lucram.

Presumo que a banca tradicional, monolítica, tenha ficado em choque (em cheque?) com o que esse fim inesperado das chapinhas implicava: mais pessoal ou, ainda pior, mais eficiência no atendimento.

Coisas que custam dinheiro. E como se sabe, essa é uma dor que banco algum consegue suportar.

 

Foi um prazer abrir conta nessa instituição bancária jovem e modernaça, livre do bafio que tresandava na concorrência entretanto às voltas com a contabilidade associada à adopção desse modelo revolucionário do cliente atendido à chegada, coisa nunca vista e que o tal banco (seria o BCP?) capitalizou como pedrada no charco num mercado do deixa andar.

A coisa funcionava, de facto, e funcionou por muitos e bons e alastrou à totalidade da banca e nós, consumidores, agradecemos a mudança.

Porém, e nas histórias que envolvam bancos existirá sempre um porém, a passagem do tempo foi degradando o número de dígitos antes da palavra milhões e chegou o dia em que a fila ordenada por um traço pintado no chão entrou em cena.

Sem chapa, é certo, mas quase tão demorada como nesses dias dos caixas sempre de trombas que vociferavam “chapa 53! chapa 53!... chapa 54” e um gajo ficava agarrado por perder um minuto a acabar de beber o café.

 

A verdade é que a pessoa habitua-se a estas alterações para pior e o tempo passa muito depressa nas mentes cifrónicas dos mentores do sistema bancário e algum iluminado não tardou a somar dois mais dois (que num banco é sempre igual a 3 na óptica do cliente e a 5 nas ambições da empresa).

Hoje em dia, décadas passadas sobre a tal iniciativa arrojada do banco novo a estrear, o sistema já encontrou no progresso tecnológico um substituto à altura das chapas metálicas de outrora que permitiam impor um ritmo de trabalho sem grandes acelerações a quadros de pessoal exagerados.

Agora servem para colmatar as lacunas em termos de recursos humanos ao mesmo tempo que poupam aos bancários dias inteiros a gritar o número da chapa, papel transferido para as maquinetas com botões que nos permitem escolher a fila mais adequada para secar.

 

Pelo menos foi o que me ocorreu quando, dejá vu, me vi a fazer contas aos números que faltavam para chegar ao que estava impresso no pequeno pedaço de papel que aquela máquina (do tempo) me disponibilizou.

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