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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

31
Mar05

A POSTA FLUVIAL

shark
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Gosto dos rios. Gosto da serenidade com que percorrem o leito nos pontos de sossego que o caminho lhes oferece, tranquilos, e da força descontrolada que os arrasta quando a chuva os engrossa ou o declive os reforça com uma ânsia indomável de galgar. Barragens e montanhas, pontes e fronteiras, nenhum obstáculo que os impeça de prosseguirem na jornada. Apenas adiam o momento, aumentam o tormento, das águas com pressa, atraídas pelo destino que a terra lhes impõe.

Gosto dos rios pela garra com que sulcam um percurso, definem um trajecto até ao ponto de encontro que é alvo da sua determinação. Aprecio-lhes a vontade de o atingir, a certeza feita força que ultrapassa qualquer razão, mais a coragem de se lançarem no vazio, em cascata, quando algures lhes falta um pedaço de chão. Nada os detém, apenas os atrasa. São como animais selvagens que perecem em cativeiro, parecem mansos nas albufeiras, mas espreitam atentos e avançam sem medos quando vislumbram uma boa oportunidade para fugir. E fogem, de facto, a bem ou a mal, dos muros de rochedo como das paredes de betão.

São irreverentes e descontrolados, insolentes e agitados. Mas beijam as margens com carinho, ao longo do caminho até ao abraço, doce com salgado, numa foz em ebulição.
30
Mar05

ALGUM AMOR EM POUCAS PALAVRAS

shark
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AMOR AMIGOHavia de facto má vontade entre ambas as partes e o ambiente nunca era o ideal. Mas naquele dia as coisas até estavam a correr muito bem. Por isso foi com espanto que ouvimos a professora de Biologia expulsar da aula uma das mais pacatas das nossas colegas. Sem nada que o justificasse, excepto “o que lhe pareceu” e bem tentámos desmentir.
A nossa colega, normalmente muito calma, começou a mudar de cor e depois explodiu. Saiu aos berros, protestando contra a injustiça de que fora alvo.

Eu, quase tapado nas faltas daquela disciplina, mas muito chegado à pessoa em causa (apaixonado em silêncio ao longo de vários anos), consultei o mapa da minha disponibilidade na matéria. Ainda me restavam duas (em Março) e isso facilitou-me a decisão.
“Se ela vai sem ter feito mal nenhum, eu também vou.” Peguei nas coisas e saí, protestando também contra a situação, e fui juntar-me à colega expulsa que chorava de raiva, tentando animá-la o melhor que sabia.
Nem dois minutos depois, mais um colega saiu pela porta. Logo a seguir mais duas. E ainda mais uma dupla. Continuavam a sair, um após outro, com a sala a ficar vazia ao mesmo ritmo a que o choro de raiva da nossa colega se transformava numa gargalhada de felicidade e de orgulho pela sua turma que a abraçava. Vieram todos e o oitavo L fez história no liceu, com uma muito rara falta colectiva que mobilizaria as pressões suficientes para a inepta docente se ver transferida, ponderadas as situações de conflito que gerara em todas as turmas que lhe cabiam em sorte. O nosso exemplo daria origem a outras formas de luta e a medíocre perdeu.

Hoje fiquei feliz quando recebi uma chamada dessa colega que a arrogante professora de Biologia expulsou. Gostei de a saber bem e feliz, após um período menos bom que a vida lhe deu a provar. E acima de tudo fiquei deliciado por constatar que existem laços tão fortes que nem a passagem dos anos e a escassez de contactos conseguem quebrar, nascidos da amizade e da solidariedade incondicional que ela implica.
Por estas e por outras se justifica a minha crença de que a amizade séria é apenas uma das muitas formas que um grande amor pode assumir. Sem olhar a géneros.
28
Mar05

A POSTA QUE NÃO HÁ HERÓIS

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Há temas particularmente sensíveis para um homem. A virilidade, por exemplo, constitui quase sempre mais motivo de preocupação ou ponto de partida para um insulto eficaz do que a inteligência. Ou a falta dela.
Neste, como noutros aspectos, é foleiro generalizar. No entanto, nunca vi um fulano virar-se do avesso por alguém lhe chamar burro. Nem vi algum tão atrapalhado por errar uma conta de dividir como por lhe falhar o equipamento na hora da verdade.
Claro que um tipo pode falar disto na paródia. Entre pessoas porreiras, um desses flopes até pode ser o ponto de partida para uma segunda tentativa bem mais divertida. Pois. Mas em certas circunstâncias, o flop assume proporções desastrosas e a vontade de rir terá origem nervosa...

Aconteceu-me por duas vezes ao longo da vida e assumo-o perante vós.
No final da adolescência, depois de anos a desejá-la com o ardor típico dessa fase das erecções descontroladas (que uma pessoa julgava então que só aconteciam até aos dezoito anos), consegui finalmente o grau de proximidade que me permitia ambicionar algo mais. E algo mais aconteceu. Num carro, a sua primeira experiência em domínios que nunca ousara até então. Correu menos bem, no final, pelo arrependimento de última hora e demasiado tardio. Mas ao embaraço da situação sucedeu-se uma cumplicidade de amantes que manteve a chama acesa.
Dias depois, o segundo round desta relação pouco auspiciosa. O que ansiava nesses dias uma hipótese de lhe mostrar o quanto a desejava. Tudo perfeito. Menos eu, o avô cantigas, em choque perante uma ausência de reacção do amigo fiel que nunca antes me traíra. Não haveria uma terceira tentativa, convencidos que ficámos da discrepância entre os nossos relógios biológicos e porque nessa altura, idiota, nem me ocorreria aplicar alguma solução de recurso que nos pudesse manter entretidos até vermos o que aquilo dava. Concentrei-me apenas na terrível vergonha, egoísta, do macho incapaz de honrar os seus pergaminhos. Foi talvez o momento mais desastrado da minha vida sexual.

Voltei a deparar-me com esse fenómeno tão imprevisível poucos anos depois. Horas a fio a abrirmos caminho para um acontecimento impossível, assim o julgávamos, pela duração da nossa amizade e suas perspectivas de futuro. Mais umas horas a certificarmo-nos com beijos e carícias que "aquilo" estava mesmo prestes a acontecer. E às três da madrugada, quando cobrimos os corpos nus com o lençol da minha cama, nicles. Valeu-me a ausência do efeito surpresa (é nisto que a experiência de vida muito interfere), o que me permitiu manter a calma, gerir a situação com elegância, empenho e descontracção e depois pedir-lhe na boa duas horinhas de sono para ver se me inspirava. E não é que resultou?
Quando o despertador tocou, duas horas depois, acordei com a surpresa contrária (do tipo duracell) e só parámos para almoçar umas horas depois (ao contrário do que se vê e ouve a torto e a direito, isto não acontece tantas vezes como a malta pinta - ou então tenho tido um azar do caneco e terei que reequacionar as minhas horas de sono). Foi, em antítese, um dos momentos "épicos" do meu historial (isto já é descaradamente conversa de homem, "fiz e aconteci", "não sei quantas horas a abrir" e tal...).

Agora vejam: este tema é terrível de abordar perante homens (mesmo que já lhes tenha acontecido, raramente o admitiriam e acabam por inconscientemente olhar com piedade para o assumido fraco da coisa) e perante mulheres (pelo nosso receio de que nos desdenhem por falta de confiança na capacidade física e anímica para cumprirmos o papel que nos cabe). Porém, trata-se a meu ver do tipo de assunto que não deve morrer no segredo. Até pela informação valiosa que podemos transmitir para referência futura e para evitar recalcamentos injustificados que a longo prazo nos põem a bater mal da cabeça.
Por outro lado, tenho insistido na tecla de que não cultivo assuntos tabu e isso ainda faz mais sentido no âmbito da minha actividade de blogueiro. Mesmo que, como na sequência de postas anteriores, isso implique mais uma dúzia de emails a apelidarem-me de trombeiro (como é que ainda não perceberam, gente bronca, que isso não constitui para mim um insulto?) e/ou desiluda de alguma forma quem possa confundir-me com uma versão informática do Zézé Camarinha.
27
Mar05

BILHETE PARA A LUA

shark
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Ainda não sei como embutir música nisto, mas por vezes (re)encontro sons e palavras que ouço e que leio, coisas pouco divulgadas que fazem parte do que sou e que gostaria de partilhar convosco.
Uma das bandas que ouvia com regularidade era a Electric Light Orchestra (ELO), uns tipos que chamaram a minha atenção pelo facto de serem amantes de Ficção Científica e terem meia dúzia de boas malhas para dançar.
É o caso de uma canção dos ELO (que muito ouvi nos anos oitenta) e cuja letra passo a reproduzir para que saibam o que impressionava o tubarão nos anos loucos (e intensos) da adolescência, para lá das rockalhadas que enumerei algumas postas atrás. Faz parte do álbum Time.
Caso saibam como fazê-lo, recomendo-vos que tentem encontrar este som na net. E se conseguirem peço-vos que o partilhem com o Shark, cujo original em vinil já conheceu melhores dias...

TICKET TO THE MOON

Remember the good old 1980´s
When things were so uncomplicated,
I wish I could go back there again,
And everything could be the same

I´ve got a ticket to the moon,
I´ll be leaving here any day soon.
Yeah, I´ve got a ticket to the moon,
But I´d rather see the sunrise, in your eyes.

Got a ticket to the moon,
I´ll be rising high above the earth so soon,
And the tears I cry might turn into the rain,
That gently falls upon your window,
You´ll never know.

Ticket to the moon
Fly, fly through a troubled sky
Up to a new world shining bright

Flying high above,
Soaring madly through the mysteries that come,
Wondering sadly if the ways that led me here,
Could turn around and I would see you there,
standing there

Ticket to the moon
Flight leaves here today from satellite 2,
As the minutes go by what shall I do,
I paid the fate but what more can I say,
It´s just one way.

Ticket to the moon
27
Mar05

AS RÉDEAS NA MINHA MÃO

shark
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De há uns tempos a esta parte tenho sido confrontado com as diferentes armas de arremesso que a vida utiliza para me condicionar. Compromissos que assumi à luz de determinados valores e de factores que influenciam decisões, transformados de quando em vez em instrumentos de inibição das minhas escolhas.
É a velha questão dos preços a pagar. Um passo em falso e lá estamos nós a receber a factura. Vive-se com isso sem problemas enquanto não se atinge um ponto de saturação.
E quando este surge no horizonte, devemos preparar-nos para uma revolução nas nossas vidas.

Eu vou dar início à minha. Começo por onde posso, por onde tenho meios e força para pegar. Por onde o risco corrido é dos maiores o que menos me preocupa. É um processo que já enfrentei, mais do que uma vez, e envolve ganhos e perdas semelhantes aos que já conheci. É a revolta que recuso deixar morrer porque sempre me ajudou a reagir nos momentos mais complicados do caminho. E não se trata de uma revolta no sentido pejorativo da palavra, não é de sentimentos negativos que vos estou a falar. Estou a falar daquela chama que deve apoderar-se de nós quando a mudança deixa de ser necessária para se assumir imperiosa. Falo da vontade e da determinação para darmos a volta ao texto quando os sinais se acumulam nesse sentido. Antes que morra a força da revolta no nosso interior, isolada entre o conformismo, a apatia e a ameaça de futura mas inevitável capitulação.

Eu gosto dos meus dias com prazer. A fazer o que gosto, a gostar de fazer o que preciso, a precisar de me sentir feliz e realizado e a estender essa boa onda a outras pessoas. Nada de novo, afinal. Então, o dilema nem se coloca e preciso apenas de proceder aos ajustamentos necessários para que tudo se encaminhe mais no sentido da filosofia de vida que reconheço como certa. À minha custa, e nunca de terceiros, como sempre fiz questão de acautelar.
Claro que isso implica riscos a correr, decisões difíceis a tomar, novos desafios a assumir e requer coragem e bom senso. Sem fugas mas com transições. Deveras estimulante para um homem como eu me aprecio.

E também é clara a distância que me separa dos objectivos que agora tracei e o cuidado que terei de manter para agitar as águas apenas o bastante para as filtrar do entulho, para contrariar a corrente e a ondulação que me afastam da costa, para longe do que quero ser. Já não posso influenciar a maré, pelos condicionalismos a que fiz menção e outros, mas posso remar contra ela recorrendo à mente e ao coração. Duas forças poderosas, combinadas. Alimentadas pela revolta simpática a que fiz alusão, a mesma que tento incutir nas pessoas que se cruzam no meu caminho e não escondem a sua força interior, quantas vezes abafada a custo, como uma frágil rolha de cortiça no cone de um vulcão mal adormecido. Ao fim de demasiado tempo, e o tempo não deixa de correr enquanto nos acomodamos, a rolha calcifica e o vulcão adormece de vez.

Recuso envelhecer dessa forma e partilho com as pessoas que me interessam esse “bichinho” da revolução que, cedo ou tarde, todos temos que efectuar para colocarmos de novo a nossa vida nos melhores carris. E às vezes é tão simples quanto limar algumas arestas, tirar da frente dos olhos os obstáculos a uma visão cristalina do que nos sonhámos e do que estamos a ser afinal. Outras vezes não. Mas vale sempre a pena, pela pica que nos dá sentir nas mãos as rédeas de parte do nosso destino e podermos embicar a galope pelos trilhos que a razão não bloqueia, a emoção muito anseia e a intuição sempre aconselhou.
25
Mar05

ALGUM AMOR EM MUITAS PALAVRAS

shark
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Encarcerada na masmorra que mandara construir, a princesa Alexandra não se permitia ser feliz. O príncipe, estúpido, não se ralava ou não percebia que no coração de quem o amava as muralhas cresciam sobre os alicerces do que se transformara, aos poucos, na mais profunda desilusão.
Partia para as campanhas e outras patranhas sem ligar ao olhar triste que ela deixava escapar, à socapa, por entre as grades da sua prisão interior. À tristeza da despedida, porém, sobrepunha-se o desencanto. O cadáver da saudade jazia, mais os dias com sorrisos e as outras recordações, numa pequena caixinha que Alexandra espreitava, de vez em quando, para não esquecer o amor.

Mas a caixa, cada vez mais repleta de insultos e de negligência, de desgostos e de carência, já mostrava apenas as provas irrefutáveis que a condenavam à prisão.
Um dia, a princesa deixou de espreitar.
Esquecido no fundo, coberto pelos pedaços de dor, era a força que se esvaía na memória que se esbatia daquele amor em extinção.
Um dia, a princesa deixou de saber amar.

Algum tempo passou. Alexandra, livre do seu carcereiro, cuidava do reino com firmeza. A força que a movia, imensa energia, despontavam aos poucos em pequenos pontos de luz que sorriam no seu olhar. Espreitava o mundo exterior, cada vez mais, por entre as janelas que a custo se convencera a abrir nas paredes do seu cativeiro. Mas permanecia sozinha, com medo. Recolhia-se num canto para escapar à emoção, batia em retirada para junto da caixinha que ainda abraçava, por vezes, mas já nem conseguia abrir.

Assustou-se deveras quando o viu diante de si. Não contava com uma intrusão. Gostava da companhia, mas afligia-se com a ideia de partilhar o cárcere com um simples plebeu.
Por diversas vezes o expulsou. Reforçava as entradas, dobrava as sentinelas, mas ele sempre encontrava uma forma de entrar.
E fazia-lhe companhia, conversava, ouvia e depois partia pelo seu pé. A princesa, perturbada, sentia-se encantada com as palavras e os gestos daquele desconhecido que a procurava, confiava na sua intuição mas não sabia como proceder.

Um dia, por insistência do plebeu, a princesa reuniu toda a sua coragem e despejou a caixinha sobre o tampo de uma mesa. Trémula, afastou com os dedos as tristezas e os medos e reencontrou uma réstia do amor que há muito deixara de ver. Iluminou a masmorra com o sorriso que lhe dedicou, mais o carinho estampado na doçura do seu olhar.
Por fim cedeu. Mas o beijo que lhe deu, intenso, atemorizou-a e suscitou-lhe uma interrogação.
“Quem sois vós, plebeu, e como entrais nos meus aposentos como se nenhuma porta pudesse impedir-vos de o fazer? Sois um feiticeiro?”
Era apenas um exímio serralheiro, mas por mais que o beijasse não conseguia transformá-lo no sapo que temeu. E corajosa insistia. E ele, paciente, sorria e o medo parecia escapulir-se por entre as paredes que ruiam em seu redor.

Mais tempo passou.
A caixinha, mais cheia de alegria e menos de solidão, abria-se agora ao olhar de Alexandra como uma imagem de esperança, no campo florido onde celebrava, todos os dias, o dia memorável em que um serralheiro desconhecido a libertou dos seus grilhões. E a reconquistou para o amor.
23
Mar05

LUA NOVA

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Se alguém me dissesse há vinte anos atrás “vais ver que é bestial ser quarentão”, desatava a rir e retorquia com um “pois, está bem...”. E essa postura arrogante de quem se imagina fresco e jovem para toda a vida, o que mais tarde os factos desmentem, é uma das explicações possíveis para esta sede de viver que faz toda a diferença.
Essa diferença faz-se sentir em todos os domínios da minha existência. Amo mais tudo o que de bom a vida tem para me oferecer.

Ter quarenta anos implica termos chegado ao ponto de que falávamos quando eram óbvias algumas limitações, ao nível da maturidade e da experiência de vida e noutros aspectos que dependiam da condição económica e social de cada um. Com o corpo a reagir melhor aos estímulos e a mente menos condicionada por várias pressões, uma conjugação poderosa, a vida adquire um novo e fascinante significado. Até porque a noção da passagem do tempo, mais presente, obriga-nos a encarar de outra forma as oportunidades que nos surgem ao longo do caminho. Mais do que importantes são valiosas, pois o ritmo acelerado que o dia a dia impõe e as cicatrizes de algumas mazelas que limitam, ou mesmo inviabilizam, o pleno usufruto das coisas boas da vida tornam uma pessoa mais atenta e disponível quando essa hipótese rara se concretiza. Ou deviam tornar.

Este tipo de discurso, embora vindo de quem vem, não implica o elogio incondicional da dinâmica “bute lá”. Por boas oportunidades entendo as que encaixem no perfil de cada um de nós, em cada sensibilidade e vocação, e não me refiro a nenhuma área específica. Por outras palavras, não é só de sexo que estou a falar. Mas também. E o sexo é muito melhor aos quarenta. Da fase do “provar algo a alguém (ou a nós próprios)” à do “provar algo de alguém (e a recíproca é verdadeira)” vai uma distância considerável. E esta última não invalida a primeira. O corpo reage como há vinte anos atrás no entusiasmo e acrescenta os estímulos e as sensações de quem sabe o que procura e como o alcançar. Faz todo o sentido para mim e transmite-me a confiança necessária para que tudo corra pelo melhor.

Mas também o amor tem maior potencial nesta fase da vida. É possível desenvolver uma paixão adolescente, arrebatada, mas que hoje conseguimos controlar nas proporções com a ajuda das referências que coleccionámos e das condicionantes que enfrentamos. Sem perdermos o norte às nossas prioridades e contudo, entregues de corpo e alma ao enlevo por outra pessoa. De uma forma serena ou mesmo pueril, mas libertos da ansiedade natural dos dias do acne e da precipitação. Enquanto a vida deixar.

E não ficam por aqui as mais valias que descubro a cada dia no meu trajecto rumo ao estatuto de quarentão. Darão talvez origem a outras postas, pois gosto de trocar impressões convosco acerca das coisas que me preocupam ou me seduzem.
Não me espanta por isso que os meus quarentas venham a ser bastante marcados pela blogosfera e pelas pessoas que como eu a fazem.

Partilho convosco estas conclusões para rentabilizar uma das facetas que um blogue nos faculta, dar-me a conhecer a quem me lê, e para proporcionar-vos uma oportunidade de dizerem de vossa justiça e assim percebermos todos um pouco melhor de que massa somos feitos e em que medida ela se aproxima da substância das outras pessoas.
No fundo, um ponto de partida decente para as relações que entre nós se estabeleçam por esta via ou a partir dela. Sejam elas do tipo que forem, independentemente da sua duração.
A amizade e o afecto, tal como os entendo nos dias que correm, encontram-se na blogosfera com a mesma credibilidade e grau de confiança do que numa mesa de café. Apenas, como a Mar muito bem refere na sua posta de dia 17 do corrente, começam ao contrário.
Se calhar como a própria vida deveria começar.
21
Mar05

A POSTA NAS MANTAS

shark
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A ideia nasceu na caixa de comentários. Alguém mandou a sugestão para o ar, como quem não quer a coisa. E a malta agarrou-a, com um entusiasmo adolescente. A ideia, tal como a interpretei, era recriar a magia do diálogo virtual que se desenvolveu em torno da Posta Romântica (arquivo de Janeiro) na sua componente analógica. Uma espécie de tira-teimas à empatia que se gerou e não dava sinais de se esbater.

Num cenário fantástico, o Monte das Diabrórias, em pleno Alentejo (a terra santa), a Mar e eu vestimos a grata pele dos anfitriões de um acontecimento que me acompanhará na memória até ao derradeiro dos meus dias.
Nessa pele, recebemos amigas e amigos cujos olhares abafavam a natural expectativa e os medos que a todos nos submetemos nestas circunstâncias. Mas não escondiam a essência das pessoas de bem que tivemos o privilégio de ali reunir, tão empenhadas como a nossa dupla hortícola (alfacinha alentejana) em abraçar a oportunidade de viver um momento especial. E foi.

Especial na absoluta ausência de desilusões. Especial na fartura de surpresas agradáveis. Especial também na profusão de sorrisos e de gargalhadas, de diálogo permanente entre quem há meses conversa mas não deixou de ter algo de novo para dizer. Como só os amigos conseguem.

São coisas difíceis de transmitir a quem não presenciou (e muito citámos e lamentámos as vossas ausências, ò rapaziada “vocês sabem de quem estou a falar”). Sem nada a ver com o ambiente que conheci em ocasiões similares no pretexto. Vi a alegria, vi a amizade, vi a verdade e a beleza em cada um de vós, ò rapaziada “vocês têm mesmo que saber de quem eu estou a falar e se não sabem, vem mais abaixo a listagem”.
Senti emoções com as quais não contava. Disputei um duelo (e na minha perspectiva ganhei, ò chavalo), dedicaram-me uma canção (Animals, dos Pink Floyd – uma das minhas eleitas), partilharam comigo alguns segredos, com a confiança que só a expressão de um rosto ou a entoação de uma voz podem afiançar. E mais, muito mais, coisas que não cabem nesta posta-lençol.

São imensas as referências que recolhi deste encontro das mantas que abriu a caixa de pandora da nossa vontade de estarmos juntos com quem nos faz sentir tão bem. São intensas as imagens que me embalam o dia da ressaca, o dia em que os excessos me obrigam a lembrar os quarenta aí à porta, não no entusiasmo e na inocência dos afectos que experimentei mas apenas nas mazelas de um corpo menos resistente às mudanças de ritmo e de temperatura. Senti-me um puto do liceu no nosso encontro das mantas. E ainda o sinto assim, quando (a toda a hora) recordo alguns episódios mais marcantes desta experiência feliz que vivi.

Nunca conseguiria aqui exprimir o quanto mais vos estimo agora, o quanto me sinto agradecido pela entrega, pela boa disposição, pelo amor que só as amizades mais sérias sabem reflectir nas palavras e nos gestos com que me brindaram.
E pela vontade irreprimível de voltar a estar convosco em breve (agora namelixem, ò distintos sucessores), gente boa a quem de bom grado dedicaria uma bela canção se soubesse como a meter no blogue sem dar cabo desta traquitana:

Mar – Espelho Mágico

Azul – Um Pouco Mais de Azul

Vague – La Maree Haute
Hipatia – Voz em Fuga
Mi – O Ilegal
Descompensado – O Ilegal
Pedra – Pedra a Pedra
DerFred – Charquinho

PN – Fumos
JotaQuê? – Casa de Alterne
João Pedro da Costa – As Ruínas Circulares
M. (a Mar pôs assim) – Desertinha para blogar (para quando a primeira posta?)

(e apesar de mais fugaz, a vossa presença foi uma agradável surpresa, Maria Branco e Pedro)

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21
Mar05

ÀS PÁGINAS TANTAS

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As palavras rompiam caminho por entre o canavial, guiadas pelo vento e pela vontade de alguém se fazer ouvir. No interior da cabana de madeira, casinha de bonecas, um velho declamava poesia. Assim espantava a solidão e combatia a loucura que tantas vezes o perseguia, nos sonhos acordados pelo frio da madrugada e pela dor de uma saudade que o atormentava. Chorava e ria, gritava as emoções de um estranho feito amigo, de um poeta desconhecido. Gostava de ler o amor.

Quem o ouvia era o cão, a única companhia que restava, fiel. Focinho esparramado no soalho, orelhas levantadas em sinal de atenção. Nunca se distraía, o rafeiro, convertido à poesia na voz do dono, às palavras que entendia pelo tom. Era o som que o fascinava, uivava de prazer. Uma vez por outra, adormecia. Para acordar de seguida, com um berro que anunciava a chegada de um ponto final. Parágrafo.
Alguns minutos de pausa, silêncio relativo, um cigarro à janela, mais um copo de três. Tinto.
Um livro inteiro declamado até quase ao nascer do sol que o afugentava para debaixo dos lençóis, para a escuridão. Recusava o usufruto da luz. Em memória da companheira que tanta falta lhe fazia e cujo rosto o astro-rei já não podia iluminar, fugia. E recitava as leituras que ela lhe oferecera, uma vida inteira de declamação que o velho substituía, rasgando o silêncio nocturno com estrofes sem as quais não conseguia sobreviver. Gritava o que lia, mas a única voz que ouvia era a dela. Gravada como banda sonora para os livros que lhe deixara, uma herança forçada.

O rio que corria próximo, nem trinta metros adiante, beijava a margem que o acolhia e o guiava, que delimitava o espaço das águas cristalinas, o melhor caminho para a descida ininterrupta até ao reencontro na foz com a força selvagem de um oceano sem fim. Eterno romance que a natureza recriava, a cada instante, nas simbioses que fomentava e no cariz perpétuo das interligações, uniões que lhe sublimavam a beleza e evidenciavam uma busca incessante de perfeição. Como eram perfeitos esses momentos de serena contemplação da vida que acontecia, que fervilhava naquele rio, sentados na margem os dois. Como um só.

Essa manhã anunciou-se envergonhada, cobrindo a casa isolada com um manto cerrado de nevoeiro. Cigarro apagado num canto da boca, sem fôlego para o reacender, o velho não resistiu ao apelo da luz e deixou-se ficar. Ficou prostrado pelo vinho, pela fadiga e pela vontade de acabar com o insano ritual de luto profundo que nada de bom produzia.
Esforçou-se por arrumar as ideias, por encontrar uma alternativa que lhe preenchesse o buraco negro, o vazio que acabara de criar com aquela forma de pecado. Assim o sentia, quase como uma traição. E aprendera a amar a poesia, não lhe ocorreria renegar a sua tábua de salvação. Flutuava nas palavras, como um náufrago, salvo à força da sua vontade de perecer por uma fada-madrinha. Ou por um anjo, talvez...
Vislumbrou nesse instante, como uma premonição gravada em relevo na espessa tela de neblina, a imagem de um velho sentado numa cadeira a escrever. Poesia, intuiu. De pé, atrás do escriba, a figura elegante, difusa, de uma bonita mulher. A sua. Que lhe acariciava os cabelos grisalhos enquanto lia a emoção no papel.
O rosto do velho iluminou-se num sorriso. Num assomo frenético de energia, abriu todas as janelas da casa de par em par. Depois sentou-se na cadeira e começou a escrever poemas que ela lia, feliz outra vez, livre de todas as dores, dos grilhões que o oprimiam no corpo que abandonou, tombado sobre o parapeito da janela.

Poucos anos depois, alguém juraria ter ouvido palavras de amor, arrastadas pelo vento, sussurradas pelo canavial.
E o uivo distante de um cão, assustadoramente parecido com o daquele que encontraram um dia, morto de fome na cabana onde permaneceria até ao fim. Por não conseguir viver privado da voz que o ensinou a amar a poesia.

(Hoje é Dia Mundial do quê?)
18
Mar05

COMO TE BEIJO

shark
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Entraram no apartamento como dois amigos. Riam muito, como sempre acontecia quando a sua relação de vizinhança lhes oferecia uma oportunidade para conversarem.
Mas nesse dia encheram o edifício com o eco das suas gargalhadas, depois de uma surpresa inesperada num momento crucial.
Encharcados, beijo interrompido por um banho frio e inesperado, buscavam toalhas mas também os corpos pareciam reclamar-lhes um momento de procura. Os corpos buscavam o beijo que as circunstâncias pareciam negar.
Quando pararam de rir, o silêncio instalou-se e seriam os olhos a prosseguir o diálogo.
Ele sorriu e arriscou uma proposta que lhe repicava na mente como os sinos de todas as igrejas do mundo, uma loucura.
- Vamos tomar um duche?
E ela, mais surpreendida consigo própria do que pelo arrojo daquele convite, aceitou.

A água quente que os molhava agora era o único som que se ouvia, para além das batidas aceleradas de dois corações. Lavaram os corpos mais as incertezas e as hesitações, sem palavras, apenas os toques suaves na pele e os olhares cada vez mais cúmplices que se trocavam.
Ele tirou-lhe das mãos as toalhas, pousou-as no lavatório e segurou-lhe a mão e puxou-a para junto do espaço que ela preferia. Deitou-a sem pressas, passou-lhe os dedos pelos cabelos e o beijo interrompido recomeçou. Gota a gota. Até lhe encontrar os lábios que procurava e neles afundar o instrumento do seu desejo, a boca desnecessária para falar naquele momento de paixão.

Interminável o beijo, insaciável o desejo, corpo dela agitado, um sismo desenhado na pele pela marca de mil e um arrepios. Até num grito lhe transmitir o momento certo para parar.

E ele, embora pronto para um novo capítulo daquele conto que escrevia com tipografia de ferro em brasa no flanco da imaginação, ergueu a cabeça, pousou o queixo no baixo ventre da sua amante por cima das suas mãos crispadas e deixou-se ficar, por instantes, a seguir-lhe no rosto o rasto sereno de um resto de prazer.

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