A posta alta num cavalo perdedor
Um gajo senta-se diante do monitor e nem sempre lhe apetece cumprir um qualquer ritual, como na televisão nem sempre nos apetece o mesmo canal, e depois dá-lhe para ir dar uma voltinha pelos corredores mais ou menos iluminados do casarão em que a net se tornou.
Naturalmente, que passados alguns anos sobre o advento da coisa isto da nostalgia também já pode acontecer em ambiente virtual, uma das tentações é a de sacudir o pó aos “favoritos”, essa ferramenta que tínhamos como imprescindível quando jovens e imberbes exploradores do fenómeno.
E embora raramente nos dê para aí, é ponto assente que perdemos a vontade de tão cedo repetirmos a graça.
Como qualquer pessoa que bloga desde o início da década passada, vivi os dias intensos da fase pós chat e pré facebook. A sede de comunicação era imensa e os computadores substituíam quase por completo as televisões que pouco ou nada transmitiam para nos prender a atenção. Passávamos horas diante do monitor, descobrindo nova gente e apreciando os talentos extraordinários (como nos pareciam) de desconhecidas/os, acabando cedo ou tarde por estabelecer contacto com as pessoas por detrás das realidades virtuais que nos esforçávamos por construir.
Era giro, admito, e mexia com uma pessoa. Era quase como um regresso à adolescência, pelas emoções de geração espontânea suscitadas por alguém cujo rosto, cuja voz, cujo género desconhecíamos e que nos surpreendiam pelo seu vigor.
A alma latina fazia-se sentir através de um computador, nas discussões acaloradas como nos flirts à descarada que partilhávamos com quem passou a viver parte da existência naquele mundo à parte que fomos construindo com a mesma expectativa de uma relação a dois, com a esperança da eternidade que qualquer paixão consegue alimentar.
E isso aplicava-se a qualquer tipo de relação que nascia desse contacto distante que se transfigurava próximo pelo exagero nas revelações protegidas por um anonimato que aos poucos começou a desaparecer.
Foi essa a mudança que deitou tudo a perder. Jantares, convívios, encontros marcados sob a pressão da curiosidade que sempre matou gatos e na internet vitimou imensos corações.
Amizades de aparência sólida e amores clandestinos de caixão à cova brotavam como cogumelos a partir das caixas de comentários, dos emails e do messenger, enxurradas de palavras sentidas e acreditadas que nos faziam presumir uma intimidade e laços tão fortes que o impulso da proximidade física acabou por vencer.
Sim, foi isso que deitou tudo a perder. Ou pelo menos arrefeceu o entusiasmo juvenil que nos prendia à cadeira, como hoje é fácil de constatar na triste decadência da blogosfera enquanto rede social e a que o facebook apenas deu o golpe de misericórdia.
Ao vivo e a cores, há um brilho qualquer que se extingue e as emoções (como as imagens) artificiais sucumbem à verdade dos factos que os olhos nos olhos não conseguem disfarçar.
Os meus favoritos não passam de um extenso rol de blogues extintos ou ligados à máquina da teimosia dos poucos que como eu ainda vão aparecendo para fazer a cama e mudar os lençóis. Das pessoas que faziam o meu quotidiano virtual nos dias loucos de 2004 e foram entrando aos poucos na dimensão analógica restam apenas vagas memórias e um ou outro contacto esporádico, residual, distante como seria suposto neste ambiente. E isso abrange amizades “para a vida” como paixões que nos faziam chorar.
Contudo, e nisso a vida tem sempre a última palavra, dou comigo a navegar pelos restos dos meus rastos dessa etapa que tanto coloriu a minha entrada na crise da meia-idade e a constatar o quanto de ilusório se constrói nestes canais de comunicação modernos.
Mas no balanço desta nostalgia de pacotilha também descubro o pragmatismo que a passagem dos anos nos traz quando percebo que aquilo que me ocorre no final do périplo virtual é uma conclusão de SEO: o contacto pessoal com gente que bloga tem um preço a pagar, uma espécie de castigo para as nossas ilusões, e é a forma mais desastrada de dar cabo da popularidade dos nossos espaços virtuais.
Quem nos conhece pessoalmente e por algum motivo desatina é garantido que não nos linca mais.