A POSTA QUE AS GALINHAS DO OUTRO NÃO ME SAEM DA CABEÇA
Há muito quem defenda que não se deve brincar com coisas sérias. Porém, também há quem faça a apologia do humor enquanto reacção natural e até saudável à seriedade que por vezes nos pode perturbar. Eu oscilo entre as duas versões possíveis, tenho dias.
E não me sai da cabeça a imagem das galinhas com pão no bico perseguidas por crianças esfomeadas que o candidato AMI à Presidência da República (quem misturou alhos com bugalhos foi Fernando Nobre e não eu) invocou enquanto argumento pessoal para, presumo, evidenciar a sua experiência de vida enquanto factor de distinção entre si e os restantes candidatos da Aliança da Esquerda Cavaquista (a que tudo faz para garantir a reeleição do PR).
Ninguém duvida que sei, ao contrário de Fernando Nobre, distinguir os momentos e os tons apropriados para abordar questões de maior melindre, tal como é um facto que eu mesmo, ainda criança, persegui muitas vezes o meu cão da altura para tentar roubar-lhe o bolo de arroz diário da boca e nem assim me consigo encaixar no perfil requerido a um Chefe de Estado em Portugal ou na Suazilândia.
Contudo, é um facto que a imagem trazida à baila durante um debate político na televisão não está a provocar em mim o efeito que deveria, o horror à fome que grassa no mundo, mas antes, e talvez pelo despropósito, só me induz tiradas humorísticas e sorrisos comprometedores.
Sobretudo quando recordo a expressão perplexa do outro interveniente no dito debate, o candidato comunista, e a sua reacção defensiva invocando a sua própria infância próxima de crianças descalças da zona de Coimbra, outra visão apocalíptica das que pelos vistos conferem enorme legitimidade a qualquer candidato presidencial em tempo de crise...
Bom, tudo isto para justificar perante cada um/a de vós esta minha incursão pelos assuntos sérios com uma abordagem nada consonante com a minha sensibilidade ao âmago da questão suscitada pelo candidato AMI (ele é que tentou arrastar o currículo humanitário para a coisa, não sei se já referi) e que de resto consolida a adequação de Fernando Nobre à pele de um Presidente para tempos difíceis que, aliás, já tinha ficado no ar pela embaraçosa divulgação da sua dificuldade em pagar a renda da sede de candidatura.
O meu problema, indo directo ao assunto, é que a história das galinhas (se estivéssemos a falar de bola, seria um frango monumental do candidato Nobre) me fez questionar a aptidão do seu relator enquanto candidato a Presidente do meu país.
E não, não estou a falar da dimensão política da coisa.
O que está em causa para mim é que para qualquer portuga de gema, dos mais desenrascados do planeta quando se trata de salvar o courato, salta de imediato à vista um aspecto prático da história que Fernando Nobre contou na pele da testemunha involuntária cheia de traquejo e de entendimento acerca dos males do mundo mas com fraca percepção da mesma realidade em Portugal:
se o dito episódio chocante tivesse como protagonistas crianças portuguesas famintas, o alvo da perseguição não seria o pão no bico dos galináceos pois em cenário de fome séria os bichos só correriam já meio depenados e sem a respectiva cabeça, sendo garantido que a perderiam ainda mais depressa do que Fernando Nobre perdeu a sua pela sede de uma vitória que, mesmo acontecendo, jamais compensaria o que entretanto já deitou a perder.